Passada a euforia da aprovação do Pacto para o Futuro, documento ambicioso que pretende lançar as bases para futuras reformas do sistema internacional, a Cimeira do Futuro continuou o seu programa entre as intervenções de representantes dos Estados e os “diálogos interactivos” sobre os principais temas da cimeira, que decorre durante a reunião anual da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova Iorque.
Enquanto a Cimeira do Futuro debate as condições para a paz, o mundo sustém a respiração perante conflitos por todo o globo, em particular em África e no Médio Oriente. No púlpito da Assembleia Geral da ONU, muitas das intervenções referiram-se à manutenção da paz e à prevenção do domínio das nações poderosas sobre os Estados mais pequenos, com críticas à aplicação desigual do direito internacional. O primeiro-ministro da Eslovénia, Robert Golob, foi um dos mais directos: “Acabem com a agressão à Ucrânia. Acabem com a agressão a Gaza e à Palestina.”
O Pacto para o Futuro (de que se diz que tem “parágrafos sobre o avanço de quase todos os aspectos imagináveis do multilateralismo”) prevê ferramentas para facilitar a capacidade de resposta da ONU, com destaque para a reforma do funcionamento do Conselho de Segurança (que deixou de ser tabu, como referiu António Guterres) e da Comissão de Consolidação da Paz. Num dos diálogos interactivos da Cimeira, a directora executiva do International Crisis Group, Comfort Ero, chamou a atenção para o potencial de mudança aberto pelo pacto, lamentando, contudo, a linguagem pouco firme sobre a forma como as alterações climáticas conduzem a novos conflitos.
Enquanto isso, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, aterrou em Nova Iorque para participar na AGNU e procurar aliados numa altura em que os Estados Unidos se preparam para reforçar o apoio militar à Ucrânia. Zelensky pretende apresentar o seu “plano de vitória” para a guerra da Ucrânia contra a Rússia ao Presidente e vice-presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden e Kamala Harris, assim como a Donald Trump.
Financiamento
Um dos temas talvez mais subvalorizados entre aqueles que olham com algum cinismo para o Pacto para o Futuro e os esforços de reforma das Nações Unidas é a reforma da arquitectura financeira internacional. Como descreve o think tank Brookings, “existe um consenso e uma procura crescentes de reformas profundas”, que já estão na agenda das reuniões de Outono do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Estes processos de reforma poderão levar os bancos multilaterais de desenvolvimento a disponibilizar mais fundos para os países (quase literalmente) engolidos pelas alterações climáticas ou a assumir mais riscos relacionados com o clima.
Na sua intervenção nos diálogos da Cimeira, a directora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, enumerou os esforços de reestruturação dos subsídios aos combustíveis fósseis e outras políticas prejudiciais ao ambiente, que se traduzem biliões de dólares que poderiam ser convertidos em financiamento adicional para uma transição justa. Já o Presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, destacou os esforços para redireccionar 45% do financiamento do banco para a adaptação e mitigação das alterações climáticas.
No âmbito da International Tax Task Force, uma iniciativa liderada por Barbados, França e Quénia, os países continuam a debater a criação de novos impostos globais para serem investidos no financiamento do clima, como um imposto sobre as transacções financeiras. Os resultados desta iniciativa, lançada na COP28, que teve lugar em Dezembro do ano passado no Dubai, deverão ser apresentados na COP30, organizada pelo Brasil - país que, ocupando actualmente a presidência do G20, também está a trabalhar numa proposta de imposto global sobre as grandes fortunas para financiar a acção climática e o combate à fome e à pobreza extrema.
A AGNU, aliás, decorre a menos de dois meses da COP29, a cimeira da ONU sobre o clima que terá lugar no Azerbaijão. Neste momento, os negociadores tentam chegar a acordo sobre um novo objectivo financeiro global para substituir a promessa anual de 100 mil milhões de dólares que expira em 2025.
Salvar o clima?
Outro ponto que suscitou grande debate ao longo dos 18 meses de construção do Pacto para o Futuro foi a referência concreta ao fim dos combustíveis fósseis. No final das contas, depois de uma intensa campanha da sociedade civil, ficou reconhecida a necessidade de “eliminar gradualmente os combustíveis fósseis” - ou seja, não foi mais longe do que a expressão adoptada na COP28.
Para Alden Meyer, do think tank E3G, os países estão a demonstrar uma “amnésia colectiva” sobre a necessidade de combater os combustíveis fósseis. “Não é suficiente, mas deixa claro que uma boa organização e foco podem mudar os resultados e revelar o verdadeiro culpado das mudanças climáticas”, afirmou Tzeporah Berman, presidente da iniciativa Tratado de Não-proliferação de Combustíveis Fósseis.
A ambição climática comedida do Pacto para o Futuro deu lugar a apelos como o do Primeiro-Ministro de Tuvalu, Feleti Penitala Teo, para “um novo tratado que proíba a expansão de projectos de combustíveis fósseis e se comprometa com uma transição justa e equitativa”.
Também Susana Muhamad, ministra do Ambiente da Colômbia - Estado que subscreve a iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis e que em Novembro vai sediar a COP16 da Biodiversidade -, apelou a que mais países reforcem o compromisso de não investir em mais combustíveis fósseis. “Este é um ciclo vicioso, em que ninguém dá o primeiro passo para de facto acabar gradualmente com os combustíveis fósseis”, lamentou a ministra, numa conferência de imprensa esta segunda-feira. Sem criar condições para essa transição colectiva, “países como a Colômbia podem ver as suas economias a serem arruinadas no prazo de 10, 15 anos”.
Azáfama em Nova Iorque
Passada a Cimeira do Futuro, o “xodó” do secretário-geral da ONU, António Guterres, a Assembleia Geral das Nações Unidas prossegue na sua azáfama habitual - isto é, com os líderes mundiais à espera do momento dos seus discursos enquanto se ocupam com encontros nos bastidores e intervenções nos diversos eventos que decorrem em Nova Iorque em Setembro.
Um dos eventos que ganhou destaque nos últimos anos é a Semana do Clima, agendada para coincidir com a AGNU. No Bloomberg Global Business Forum, na terça-feira, o Presidente dos EUA, Joe Biden, fará um discurso sobre o clima. Ao longo da semana, como enumera o site Politico, realizam-se ainda a Cimeira Anual Concordia, a Clinton Global Initiative e os Goalkeepers Events da Fundação Gates.