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O pulso ainda pulsa
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Circulamos entre os destroços de um mundo dividido, reflexo direto da polarização política que vivemos nos últimos anos, em que o discurso de ódio da extrema-direita não só afeta questões de imigração e minorias, como fragmenta a sociedade, criando bolhas em que as pessoas evitam conviver com quem pensa diferente. Esse comportamento atinge desde o ambiente familiar até os espaços públicos, criando uma sensação de "nós contra eles", e condicionando nossas escolhas.
Escolher o bairro onde morar, o restaurante a frequentar, a academia de ginástica, a escola dos filhos, tudo, está regido por esses princípios. Não frequento os mesmos espaços da extrema-direita, e a recíproca é verdadeira. Esse é o mundo em que vivemos hoje.
No Festival de Cinema de Veneza, o grande cineasta Pedro Almodóvar, ao receber o Leão de Ouro, prêmio máximo da competição, declarou que seu filme tem a missão de combater a retórica anti-imigração e de ódio existente hoje na Europa. Pelo mundo, esse discurso da extrema-direita utiliza temas como o medo do “outro” e a xenofobia, se manifestando em diferentes contextos.
Nos Estados Unidos, a retórica anti-imigração foi central nas políticas da era Trump, com medidas como a construção de um muro na fronteira com o México e a separação de famílias imigrantes. De lá, acompanhamos, perplexos, as declarações do hoje candidato, em um debate presidencial, afirmando que os imigrantes comiam os pets dos moradores, enfatizando o preconceito implícito nessas palavras e reforçando estereótipos nocivos sobre imigrantes, desumanizando-os.
Falas desse tipo desviam o foco dos reais problemas envolvendo a imigração, substituindo uma discussão séria e necessária por absurdos sensacionalistas. Banaliza os discursos de ódio e normaliza a xenofobia.
No Brasil, o discurso da extrema-direita também se vale da demonização de minorias, com falas que desumanizam grupos vulneráveis, como indígenas e imigrantes, além do incentivo à violência. Embora o alvo e a estratégia possam variar de um país para outro, o impacto desse discurso é o mesmo: reforçar o preconceito, desmantelar os direitos humanos e criar uma sociedade cada vez mais polarizada.
É realmente chocante como os símbolos nacionais, nossas cores, nossa bandeira e até mesmo a camisa da nossa Seleção de futebol foram apropriados de uma maneira que exclui outras perspectivas, como se apenas um grupo tivesse o direito de representá-los. Essa manipulação gera uma sensação de perda de pertencimento para muitos brasileiros que também se identificam com esses símbolos, mas que não compartilham das mesmas ideologias. É parte da estratégia da extrema-direita para dividir o Brasil, contrastando com o que esses símbolos deveriam representar: união e diversidade.
A extrema-direita conseguiu criar uma atmosfera tão polarizada, que as pessoas acabam se isolando em bolhas, evitando qualquer contato com quem pensa diferente. Isso molda não só o convívio social, mas, também, a forma como interagimos em espaços públicos, nos bares, em restaurantes e até nos ambientes de trabalho. Embora seja uma escolha de sobrevivência emocional para muitos, também é um reflexo de uma sociedade profundamente dividida.
No mesmo Festival de Cinema, em Veneza, um filme brasileiro dirigido por Walter Salles, com Fernanda Torres e Selton Melo, foi ovacionado. Ainda estou aqui fala sobre Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar no Brasil, e é perfeito para ilustrar como a arte pode resgatar nossa memória histórica e nos ajudar a entender o presente.
A luta de Eunice Paiva contra a ditadura é um lembrete de que o Brasil já enfrentou momentos sombrios, e que, por meio da cultura, é possível preservar essas histórias de resistência. Isso se conecta muito bem com a ideia de que a arte pode nos libertar da polarização atual, ao nos fazer lembrar do que já enfrentamos e superamos, enquanto a extrema-direita não só polariza o presente, como tenta reescrever ou apagar aspectos da história que não se alinham com sua narrativa.
O filme sobre Eunice Paiva é um excelente exemplo de como a arte pode resistir à tentativa de apagamento, ao resgatar e preservar memórias fundamentais da nossa luta pela democracia. A arte e a cultura funcionam como uma contranarrativa e reafirmam a importância de se lembrar do passado para proteger o futuro.
Isso dá uma esperança de que, apesar dessa separação, ainda há caminhos para reconectar as pessoas. A arte, seguramente, é esse caminho, nos lembrando sempre, como na canção dos Titãs: “O pulso ainda pulsa!”.