Será que os pássaros voltarão a Waissy?

Alguém amaldiçoou o chão da aldeia. Nada floresce e os pássaros nunca mais regressaram.

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“Os aldeões festejaram até que a claridade, que chegava do outro lado do mundo, começou a pintar o corpo da deusa-noite e ela, lentamente, se retirou para trás das montanhas” Roberto Chichorro
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“Depois de muitos e muitos entardeceres, talvez desde o começo do mundo, o destino do sol era morrer na terra para, bem cedo, na manhã seguinte, voltar a nascer no mar” Roberto Chichorro
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“Ambos se dirigiram para Waissy, a aldeia cujo nome significava ‘flor do campo’, pois, em tempos, havia aí, por todo lado, um sem-fim de flores” Roberto Chichorro
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“O mocho trazia consigo uma tempestade de pássaros com o vento nas asas. Volteavam no ar, indecisos de um destino inadiável. Então, num instante, a aldeia inteira encheu-se de pássaros” Roberto Chichorro
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Capa do livro Bashshar, o Guardador de Pássaros, edição da Escola Portuguesa de Moçambique — Centro de Ensino e Língua Portuguesa Roberto Chichorro
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Durante muitas gerações, os pássaros respondiam ao som do batuque da família de Bashshar e aproximavam-se da aldeia. Mas há muitos anos que a mistura de aves e flores desapareceu da paisagem de Waissy, onde o guardador de pássaros era celebrado pelo povo como o mensageiro das boas novas.

A inveja e o ciúme de Rawdah, “uma mulher de grande formosura a quem pareciam desabrochar flores do corpo inteiro”, levaram-na a “arrancar as flores que cresciam em liberdade e plantá-las dentro dos muros do seu quintal”. A partir daí, e por mais que as pessoas tentassem, nenhuma outra flor jamais voltou a florir em Waissy. “Dir-se-ia que o chão estava amaldiçoado.”

É agora tempo de Bashshar desafiar os espíritos e tentar colorir de novo a aldeia com pássaros, flores e alegria. Para todos, mas em especial para as crianças.

Bashshar, o Guardador de Pássaros é um livro luso-moçambicano que assinala os 20 de anos de edições de Lurdes Breda. A autora nasceu em 1970, no concelho de Montemor-o-Velho, e já assinou individualmente 24 obras, sendo co-autora de outras 11, editadas em Portugal, Brasil e Moçambique. O seu livro para a infância com maior sucesso é O Alfabeto Trapalhão, e esteve no Pavilhão de Portugal, na Feira do Livro Infantil de Bolonha, em Itália, quando foi país convidado (2012).

Bashshar será apresentado no próximo dia 21, às 15h30, por João Coutinho e António Lains Galamba, no Moinho do Papel, em Leiria, integrado nas Jornadas Europeias do Património — Rotas, Redes e Conexões 2024, que decorrem de 20 a 22 de Setembro. As leituras serão de Regina Correia, com acompanhamento musical de Heloísa Monteiro.

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“Era esse o sinal pelo qual Bashshar esperava. Correu para o batuque e começou a tocar. Primeiro, devagar, depois em frenesim. O bater do próprio coração confundia-se com a música do batuque” Roberto Chichorro

Fundamentação de Lurdes Breda, que participa em actividades que visam a integração da pessoa com deficiência na sociedade, para apresentar o projecto, editado pela Escola Portuguesa de Moçambique — Centro de Ensino e Língua Portuguesa: “São as minhas palavras em harmonia com a pintura do Roberto Chichorro, numa expedição a outras crenças e a outras tradições, com respeito pela diversidade cultural e a homenagem afectiva a um povo que descobri na minha breve passagem por Moçambique.”

No livro, encontram-se frases como: “Cego pela luz, o xitukulumukhumba não sairia da floresta cerrada, onde morava, para assustar o sono dos meninos-futuro. A deusa-noite sorriu um sorriso de lua nascente.”

No final, um breve glossário ajuda à compreensão de várias palavras, quer em português quer em bantu. Xitukulumukhumba é um monstro mítico e mau que vive na floresta, papão, em Ronga e Xichangana. Já o nome do protagonista, Bashshar, é de origem árabe, usa-se em Moçambique e significa “mensageiro de boas novas.”

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“Uma tempestade de asas começou a formar-se sobre a savana. Asas com pássaros de todos os tamanhos” Roberto Chichorro

“Talvez tenha ficado o hábito do sonho”

O pintor Roberto Chichorro, que ilustra esta narrativa, nasceu em 1941, em Lourenço Marques (actual Maputo), e logo na infância descobriu o gosto pelo desenho. A sua primeira exposição individual data de 1967, mas só em 1980 passa a dedicar-se profissionalmente à pintura.

Depois de trabalhar em cerâmica e zincogravura no Taller Azul, com Oscar Manezzi, em Madrid, volta a Moçambique, mas fica apenas um ano. Vem de novo para Lisboa como bolseiro da Cooperação Portuguesa. A amizade de então com o serígrafo e pintor António Inverno foi decisiva para que não regressasse a Moçambique.

Ao PÚBLICO, perto de fazer 83 anos, diz, por email, sobre si próprio e sobre este livro: “Não sei realmente como começar esta minha viagem acontecida enquanto menino. Sei que talvez tenha ficado assim o hábito do sonho. Portanto, este não foi mais do que criar imagens que fizessem e justificassem o que a Lurdes Breda tão bem foi capaz de dizer. Do encanto dos sonhos que fizeram acreditar num mundo de ser bom.”

Para concluir: “O resto são umas quantas folhas de papel com lápis e algumas cores. E tentar com ela, Lurdes Breda, sonhar, sonhar, sonhar.” Pelo sonho é que vamos.

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