Os brasileiros amam os vinhos do Alentejo. E pagam milhões de euros por eles

Brasil consome 20% de todos os vinhos exportados pelo Alentejo, considerados mais fortes. Portugal, como um todo, vendeu para os brasileiros quase 80 milhões de euros em bebidas em 2023.

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O Alentejo é a região de Portugal que mais exporta vinhos para o Brasil. Sabor forte agrada aos brasileiros Mario Cruz
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Os brasileiros estão saboreando cada vez mais os vinhos portugueses. Há, porém, um gostinho que domina a preferência desse público e tem tudo a ver com o Alentejo. Sozinho, o Brasil consome 20% de toda a exportação das vinícolas alentejanas. "É o nosso maior mercado no exterior", diz Tiago Caravana, diretor de Marketing da Comissão Vitivinícola do Alentejo. "Para se ter uma ideia do que isso representa, os Estados Unidos, que são nosso segundo comprador, ficam com 11% das nossas exportações”, acrescenta.

Os números impressionam. Segundo a Viniportugal, associação que promove a bebida no exterior, em 2023, o Brasil importou de Portugal 25,2 milhões de litros de vinho, o que representou 76,7 milhões de euros (R$ 460,2 milhões). Tirando os vinhos do Porto, o país foi o maior importador de vinhos portugueses – em segundo lugar ficaram os EUA, com 20,2 milhões de litros, com o valor de 66,6 milhões de euros (R$ 399,6 milhões).

Pelos cálculos da Comissão Vitivinícola do Alentejo, foram embarcados para o Brasil, no ano passado, 4,17 milhões de litros de vinhos alentejanos, o que representou faturamento de 14,2 milhões de euros (R$ 85,2 milhões).

Caravana relata que, a despeito das flutuações anuais nos embarques de vinhos para o Brasil, a médio prazo, pode-se observar um aumento das vendas no país, com produtos cada vez mais de maior qualidade. “Nos últimos cinco anos, as exportações para o Brasil cresceram 19% em valor e 15% em volume”, diz.

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Barris de vinho da Adega da Cartuxa. Em alguns deles está o icônico Pêra-Manca Jorge Marques

Na avaliação dele, o Brasil é um mercado muito interessante. "A nível global, é o mercado com dimensão em que o consumo de vinho que mais cresce no mundo, e estamos conseguindo acompanhar esse aumento”, ressalta João Teixeira, diretor de Vendas e Marketing da Adega Cartuxa, que, em 2022, foi a empresa europeia que mais vendeu vinhos para o Brasil.

José Barreto, diretor comercial da Esporão, a segunda maior exportadora para o Brasil no Alentejo, faz uma ligação entre o consumo de vinhos e a situação econômica do país. “Os brasileiros têm um consumo per capita de vinhos baixíssimo. Isso significa que existe a possibilidade de se duplicar os volumes de venda, porque há muitos consumidores para entrar no mercado. Acredito que essa duplicação vai acontecer de cinco a 10 anos”, vaticina.

Muito sol

Segundo Caravana, são vários os motivos para o Alentejo ser a região com mais exportações de vinhos para o Brasil. “Primeiro de tudo, há um grande investimento de promoção no Brasil de vários elementos da cadeia de produção. Depois, é um trabalho que já tem muitos anos. Em 1985, já havia provas de vinhos alentejanos no Brasil, antes mesmo de que o Alentejo fosse considerado uma região demarcada, o que só veio a acontecer em 1999”, conta.

Caravana, destaca, também as características dos vinhos que agradam ao brasileiro. “São vinhos mais fortes, mas com uma estrutura de taninos suaves, que não agridem a boca. O consumidor prova e fica fidelizado. Isso tem a ver com o clima e com as horas de sol. O Alentejo é a região com mais horas de sol da Europa. Os taninos suaves são consequência da prolongada exposição ao sol”, explica.

Para Teixeira, também há um lado emocional na escolha de vinhos do Alentejo no Brasil. “Os brasileiros têm um gosto muito próximo do vinho português e um carinho muito especial pelo vinho alentejano”, avalia.

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Segundo João Teixeira, diretor de Vendas e Marketing da Adega da Cartuxa, os brasileiros têm um carinho especial pelos vinhos do Alentejo Jorge Marques

Pedro Álvares Cabral

Os vinhos da Adega da Cartuxa foram os mais vendidos da Europa para Brasil em 2022 e os segundos em 2023. “Crescemos cerca de 12% de 2022 para 2023 em valor e entre 16% e 18% em volume”, afirma Teixeira. Neste ano, o Brasil representará de 25% a 26% do total das vendas da Fundação Eugênio de Almeida, que controla a empresa, o que deve girar cerca de 6,6 milhões de euros (R$ 39,6 milhões). "Vamos crescer significativamente. Em 2023, o total de vendas chegou a 5,6 milhões de euros (R$ 33,6 milhões)", complementa.

Para chegar a ser umas das marcas líderes no Brasil, a Adega da Cartuxa desenvolveu um trabalho de anos. “Estamos no mercado brasileiro desde 1998. Decidimos, muito cedo, distribuir nos produtos por todo o mercado brasileiro. Algumas empresas concentram as vendas em dois ou três estados. Nós estamos em todos os 26 estados e no Distrito Federal”, diz Teixeira. "O Brasil é nosso segundo mercado, atrás apenas de Portugal, onde se concentram 60% das nossas vendas”, detalha.

O principal vinho da empresa, o Pêra-Manca é muito apreciado no Brasil. “O Pêra-Manca está associado ao descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral. Conta-se a história de que aos indígenas foi oferecido o vinho de pêra manca”, relata. Trata-se de um mito que se espalhou.

Não é todo ano que a adega produz o Pêra-Manca. Isso só ocorre quando os enólogos da casa avaliam que a safra de uvas é excepcionalmente boa. “Esse vinho passa dois anos em barris de carvalho francês e, depois, mais quatro anos em garrafa, nas caves do Mosteiro da Cartuxa”, acrescenta o executivo.

Neste ano, mais precisamente no último trimestre, a Cartuxa colocará no mercado 21 mil garrafas do Pêra-Manca tinto, correspondente à safra de uvas trincadeira e aragonez de 2018. Desse total, pelo menos 6 mil devem seguir para o Brasil, mesma quantidade que ficará em Portugal. Outras 4 mil garrafas estarão à disposição dos visitantes do enoturismo promovido pela vinícola e o restante será distribuído pelo mundo.

A última vez que o Pêra-Manca saiu das caves da Cartuxa foi em 2021, com a safra de 2015. As poucas garrafas que restam são vendidas por mais de 300 euros (R$ 1,8 mil) cada, sendo que cada comprador só tem direito a uma unidade.

Vinho e azeite

Para a Esporão, a estratégia para crescer no mercado brasileiro inclui a ligação entre os vinhos e os azeites da marca. “O Brasil é o mercado número um de exportação dos azeites Esporão. A qualidade e notoriedade dos vinhos ajudam na imagem dos azeites. E a qualidade dos azeites ajuda a notoriedade dos vinhos”, afirma Barreto.

Com o Brasil representando entre 20% e 30% de todo o negócio da Esporão — entre vinhos e azeites —, a estratégia foi criar, no país a Qualimpor, uma empresa para importar e comercializar os produtos da marca. “O Brasil é um dos três mercados estratégicos para a Esporão, aqueles em que temos uma presença própria. Os outros são os Estados Unidos e Portugal”, explica.

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Barris de vinho na adega da Herdade do Esporão. O Brasil representa entre 20% e 30% das vendas da empresa DR

Barreto ressalta que os brasileiros não veem o Esporão como uma marca de entrada. “Pelo contrário, em termos de qualidade, está no topo da pirâmide. As pessoas passam por uma série de etapas antes de chegar ao Esporão”, diz.

Uma característica que ele considera apelativa ao consumidor brasileiro é o fato de que a Esporão é um dos 10 maiores produtores mundiais de vinho biológico. “As classes mais educadas brasileiras são muito atentas ao respeito pela natureza. Produção biológica está em sintonia com a natureza e recupera os processos antigos de produzir vinho”, assinala.

Até agosto deste ano, o volume de vendas da Esporão para o Brasil registrou crescimento de 2,3%, com destaque para os vinhos de maior qualidade. Em 2023, foram 170 mil caixas de nove litros — 1,53 milhão de litros. Isso representou receitas de 11,35 milhões de euros (R$ 68,1 milhões), ante 11 milhões de euros (R$ 66 milhões) em 2022.

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