Tradição dos debates presidenciais nos EUA começou com duas mulheres
Em 1956, quatro anos antes dos famosos debates entre John F. Kennedy e Richard Nixon, a CBS transmitiu um debate entre Eleanor Roosevelt e Margaret Chase Smith, em representação dos candidatos.
Uma sugestão para brilhar no Quem Quer Ser Milionário: se a pergunta for "Quem representou o Partido Democrata e o Partido Republicano pela primeira vez num debate televisivo nos EUA?", respire fundo e não responda o óbvio.
Richard Nixon e John F. Kennedy foram os primeiros candidatos à Casa Branca a discutir as suas propostas de campanha na televisão, em 1960, mas a primeira vez que os dois partidos se fizeram representar num debate televisivo aconteceu em 1956.
Nesse ano, o candidato do Partido Democrata, Adlai Stevenson II, desafiou o seu principal adversário, o republicano Dwight Eisenhower, para um debate de ideias na televisão, com uma particularidade que nunca mais seria repetida: em vez dos próprios candidatos, os partidos seriam representados por duas mulheres.
Aceite o desafio, o Partido Democrata indicou Eleanor Roosevelt, viúva de Franklin D. Roosevelt, o Presidente que tinha liderado os EUA durante quase toda a II Guerra Mundial, e uma das principais promotoras da Declaração Universal dos Direitos Humanos; e o Partido Republicano escolheu Margaret Chase Smith, uma senadora que se notabilizara pela sua oposição às perseguições movidas pelo McCarthismo, e que seria, em 1964, a primeira mulher a candidatar-se à nomeação para Presidente dos EUA por um dos dois maiores partidos do país.
Como é habitual nos modernos debates televisivos entre os candidatos à Casa Branca, Kamala Harris e Donald Trump vão poder usar os dois minutos finais do debate desta noite, em Filadélfia, para apresentarem os seus argumentos directamente aos telespectadores — uma ideia introduzida em 1956 por Margaret Chase Smith, que duvidava das suas capacidades para um debate daquela importância contra Eleanor Roosevelt, mas que confiava nos seus argumentos para apelar ao voto em Eisenhower.
"O debate teve uma grande repercussão", disse Allida M. Black, uma investigadora norte-americana que se dedica ao estudo da vida e obra de Eleanor Roosevelt, ao site da revista Time. "Na era dos algoritmos das redes sociais, é difícil perceber o impacto e a importância daquele debate. Na altura, a televisão era uma novidade para os políticos."
Apresentadas aos telespectadores como "duas senhoras encantadoras", Roosevelt e Chase Smith foram as primeiras mulheres a surgirem no programa Face the Nation, da estação CBS, a 4 de Novembro de 1956 (ao fim de dois anos de transmissões), e protagonizaram um debate dominado por questões de política externa.
Durante o debate, a senadora republicana adoptou uma postura serena e quase submissa em relação a Roosevelt, que acabou por falar o dobro do tempo da sua opositora — uma táctica que mudou de forma surpreendente e abrupta nos dois minutos reservados para os argumentos finais, com Chase Smith a atacar o candidato do Partido Democrata com tal veemência, que Rossevelt se recusou a cumprimentá-la após o debate.
"Em termos históricos, é significativo que duas mulheres extraordinariamente influentes tenham assumido protagonismo na política nacional duas décadas antes de a maioria dos americanos ter começado a falar sobre o impacto do feminismo", disse à Time Julian Zelizer, professor de História na Universidade de Princeton, em Nova Jérsia. "É um bom exemplo para sublinhar a grande influência que as mulheres tiveram na política [dos EUA] ao longo do século XX."
Quatro anos depois do debate entre as duas mulheres, Kennedy e Nixon deram início ao formato que sobreviveu até hoje, mas que teve um longo interregno, entre 1960 e 1976, quando foi recuperado pelo republicano Gerald Ford e pelo democrata Jimmy Carter.
E se a convicção generalizada de que Kennedy venceu o debate na televisão e perdeu na rádio é contestada na academia e parece não ter sustentação factual, não há dúvidas sobre o impacto do debate entre Eleanor Roosevelt e Margaret Chase Smith nos resultados de Adlai Stevenson e de Dwight Eisenhower na eleição presidencial de 1956. Dois dias depois do debate, a 6 de Novembro de 1956, o então Presidente dos EUA voltou a esmagar o seu adversário — tal como já tinha acontecido em 1952 — e venceu em 41 dos 48 estados que existiam no país nessa altura.