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O Japão tenta caçar a sua Moby Dick – e a UE deve salvar esta baleia
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Os baleeiros têm uma memória longa e não cedem na sede de vingança, se levarmos à letra o clássico da literatura norte-americana do século XIX Moby Dick, de Herman Melville a praticar a caça à baleia, apesar de existir uma Convenção Internacional que o proíbe. E a mítica baleia branca é Paul Watson, activista com 50 anos de luta contra a caça à baleia, detido na Gronelândia (Dinamarca) sob ameaça de extradição para o Japão.
Esta semana, um tribunal da Gronelândia prolongou a detenção de Paul Watson por mais 28 dias, até 2 de Outubro. O activista de dupla nacionalidade norte-americana/canadiana, de 73 anos, foi detido a 21 de Julho, quando o seu navio fez uma paragem em Nuuk. As autoridades desta região autónoma da Dinamarca – país onde, noutra região, as ilhas Faroé, continuam a ser caçadas baleias-piloto, que ao contrário do que o nome indica, são golfinhos – cumpriram um mandado de captura da Interpol de 2012, emitido a pedido do Japão. Nele, Watson é acusado de provocar danos e ferimentos a marinheiros do navio de segurança pesqueira Shonan Maru 2 em 2010.
A verdade é que o Japão tem grandes contas a ajustar com Paul Watson. Capitaneando embarcações de defensores das baleias, Watson foi ao encontro dos navios baleeiros japoneses no mar, para dificultar a sua actividade e impedir a morte dos grandes cetáceos ameaçados de extinção, com uma organização que se tornou famosa, a Sea Shepherd.
Destacou-se pelo seu modo de acção: "Interfiro de forma agressiva não violenta", afirmou, a partir da prisão em Nuuk, numa entrevista à AFP divulgada esta semana. Como ser agressivo sem ser violento? "Isto significa que tentarei tirar a faca da mão da pessoa que quiser matar uma baleia, mas que não a magoarei", explicou o militante de cabelos rebeldes e barba branca.
A caça comercial à baleia é proibida desde 1986, ao abrigo de uma moratória imposta pela Comissão Baleeira Internacional, que aplica a Convenção Internacional para a regulação da Actividade Baleeira, assinada em 1946. Mas o Japão, apesar de ter assinado a moratória, invocou uma excepção nos acordos, que permite a caça para "fins científicos".
Essa actividade foi durante anos contestada não só por ambientalistas como por vários Estados. Em 2014, na sequência de uma queixa da Austrália, o Tribunal Internacional de Justiça, o órgão máximo judicial da ONU, considerou que a caça que o Japão promovia na Antárctida era apenas um programa comercial disfarçado de científico. Em 2019, o Japão abandonou a Comissão Baleeira Internacional para se dedicar livremente à caça à baleia.
Já este ano, o Japão demonstrou interesse em alargar a caça à baleia, com a entrada em actividade em Maio de um novo navio-fábrica de caça à baleia, o Kangei-Maru, um investimento de 44 milhões de euros, e a inclusão da baleia-comum nas espécies que considera que podem ser caçadas (os cientistas discordam).
As acusações do Japão contra Paul Watson são de conspiração para abordagem, destruição de propriedade privada, ferimentos e obstrução a actividade económica e referem-se a acontecimentos de 2010, um ano agitado nas águas da Antárctida, quando um navio de segurança japonês destruiu uma embarcação de activistas da Sea Shepherd.
No entanto, estes alegados crimes resultaram da acção do activista neozelandês Pete Bethune, cujo trimarã Ady Gil foi destruído pelo navio de segurança japonês Shonan Maru 2 em Janeiro de 2010, durante uma confrontação no mar para tentar travar a actividade dos navios baleeiros.
Pete Bethune mostrou-se decidido a exigir uma indemnização pela perda do trimarã. Decidiu abordar o Shonan Maru 2 alguns dias depois e exigir a compensação ao capitão japonês. Mas Bethune acabou por ser capturado, passou cinco meses numa prisão japonesa, onde disse ter sido maltratado e pressionado a assinar uma declaração em que denunciava Paul Watson como tendo "comandado" a abordagem.
Daí que Watson seja acusado da abordagem, de ter usado uma bomba de mau-cheiro que terá ferido um marinheiro japonês e de impedir a actividade baleeira. As acções são de Pete Bethune, que assinou uma declaração quando foi libertado, dizendo ter sido coagido a assinar o documento comprometendo Watson. Mas é Watson, que se tornou uma figura emblemática do activismo ecologista, um "guerreiro ecológico", que o Japão quer visar.
A Sea Shepherd França tem imagens e um vídeo a contestar a veracidade das acusações japonesas, mas o juiz da Gronelândia, até agora, não as quis ver.
"Não fiz nada, e mesmo que tivesse feito alguma coisa, a pena seria de 1500 coroas dinamarquesas (cerca de 200 euros), nunca uma pena de prisão", afirmou Paul Watson à AFP, na Gronelândia. "Mas o Japão quer condenar-me a 15 anos". O que, na sua idade, teme-se que seja uma pena capital.
No entanto, para além do destino pessoal do capitão, está a ser posta à prova a convicção da União Europeia em cumprir a sua legislação para proteger os denunciantes de actos ilegais e corrupção.
"Esta detenção revela o paradoxo de numerosas democracias: por um lado, consolidam, no papel, a protecção dos denunciantes lançadores de alerta [whistleblowers], mesmo quando violam a lei; por outro, continuam a aceitar a criminalização de quem enfrenta os interesses dos mais poderosos", escreveram, num artigo de opinião no jornal francês Le Monde, os advogados de Paris William Bourdon e Vincent Brengarth.
O primeiro, William Bourdon, é preciso sublinhar, faz parte da equipa de defesa de Paul Watson. O argumento que tecem no Le Monde é que as acusações do Japão "visam directamente o modo de operação escolhido por Paul Watson, de uma desobediência necessária destinada a denunciar a pilhagem dos fundos marinhos, e a garantir a protecção dos ecossistemas".
Denunciam ainda "a vontade do Japão de exercer uma espécie de vingança, que visa intimidar todos os que se sintam tentados a abraçar o modo de acção radical de Paul Watson".
Há que reconhecer que, quando se fala de Watson e dos grandes mamíferos marinhos, é mais fácil simpatizar com a sua causa. "Em 1974, o meu objectivo era erradicar a caça à baleia, e espero ainda consegui-lo antes de morrer", afirmou, desafiador.
Mas o modo de acção de Watson, a "interferência de forma agressiva não violenta", não é assim tão diferente daquilo que acontece em muitos protestos pela acção climática pelo mundo fora.
No entanto, o Presidente francês, Emmanuel Macron, interessou-se pelo caso dele, e o Governo de Paris tem pressionado a Dinamarca para que não extradite o defensor das baleias. Isto apesar de o Governo Macron se ter destacado pela forma especialmente repressiva como reagiu contra protestos de movimentos ambientalistas, como os Soulevements pour la Terre, que tentou interditar, e todo o discurso sobre "ecoterrorismo", o que talvez mereça reflexão.
Mas resumindo: a decisão sobre extraditar ou não Paul Watson cabe à Dinamarca, e isso dá uma responsabilidade acrescida à União Europeia. "Aceitar a sua extradição para o Japão seria uma regressão inaceitável do direito europeu e dos compromissos da Dinamarca, mas também a validação insuportável de uma criminalização dos grandes militantes cuja acção é indispensável à nossa sobrevivência colectiva", destacam no Le Monde os advogados Bourdon e Brengarth.
Não é possível esconder-se sob pretextos de legalidade, ignorando como os mandados internacionais de captura da Interpol (os chamados "avisos vermelhos") têm servido a Estados autoritários para perseguir, para além das suas fronteiras territoriais, críticos do regime ou pessoas incómodas. "A perseguição a Paul Watson é de natureza profundamente política e o seu estatuto de lançador de alerta devia torná-lo ‘inextraditável’, em virtude da evolução do direito internacional", afirmam Bourdon e Brengarth.