Não consigo dizer que não. Como lidar?

Tentar agradar toda a gente pode ser benéfico para todos, menos para ti. A psicóloga Rita Sedas Nunes ajuda a lidar com a necessidade de pôr o bem-estar dos outros acima do nosso.

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Quando dizes que gostas de alguma coisa que não gostas assim tanto, quando o teu chefe te pede para fazer horas extras e dizes que sim, mesmo sabendo que tinhas outros compromissos, quando estás sempre a pensar no que os outros estão a pensar sobre ti... é possível que sejas um people pleaser.

Os people pleasers precisam de agradar os outros, mesmo que isso signifique menosprezarem as suas necessidades ou bem-estar. Pode ser resultado de baixa auto-estima, ou até do ambiente que viveram em criança. A psicóloga Rita Sedas Nunes dá algumas dicas para lidar.

O que é um “people pleaser”?

Não existe uma tradução para português, mas falamos de “uma pessoa que tem uma forte necessidade de agradar os outros”, começa por explicar a psicóloga.

O people pleaser “frequentemente coloca as suas necessidades e desejos de lado, para pôr as dos outros primeiro” e tende a ser “extremamente sensível às reacções e sentimentos de outras pessoas”, acabando por “orientar o seu comportamento de forma mais ajustada aos outros, às suas opiniões, às suas acções, ficando mais alinhado com o que as outras pessoas desejam”.

São pessoas que “procuram aprovação e validação externa”, que “dependem de algumas reacções positivas”, têm medo da rejeição e, portanto de desagradar. “É por isso que existem esforços contínuos para garantir que estão a agradar as pessoas ao seu redor e, muitas vezes, isso traz consigo a dificuldade em dizer que não. Também para evitarem conflito”, explica Rita Sedas Nunes.

Claro que, “enquanto seres sociais, gostamos que gostem de nós”, mas, avisa a psicóloga, isso “pode começar a ser um problema quando começamos a pôr de lado quem somos e o que precisamos, e sobrepomos as outras pessoas a nós”. Querias mesmo ir ver aquele filme ao cinema, mas acabaste por nem exteriorizar essa vontade porque sabias que a pessoa com quem ias queria ver outro? Comeste peixe, mesmo sem gostar, por não querer admitir que preferias comer outra coisa? Pois, temos notícias para ti...

O que pode explicar esta necessidade de agradar?

Há vários factores que podem explicar de onde vem este comportamento. Pode resultar de experiências na infância: “Pessoas que tiveram pais ou cuidadores muito exigentes, com expectativas muito altas e difíceis de agradar”, explica. Nesses casos, a criança vai desenvolvendo esta ideia de “ter de se esforçar sempre muito, continuamente, para conseguir aprovação e evitar críticas”.

Muitas vezes, essa aceitação “vinha de um lugar de a pessoa ter de ter um comportamento, ser boazinha, ser obediente”, que a leva a “internalizar esta questão de não criar conflitos, não dizer que não, ser sempre agradável”.

Por outro lado, pessoas que cresceram em ambientes de muito conflito e tensão, tendem a ser “mais pacificadoras”, aprendem “a agradar, a acomodar-se aos outros e a minimizar os conflitos”.

Há também factores psicológicos que podem ajudar a entender. “Baixa auto-estima, muito medo da rejeição, dependência de validação externa. Pessoas com maior ansiedade social, que estão sempre a pensar no que os outros estarão a achar de si, que, depois de um encontro com um amigo, ficam a pensar no que disseram ou fizeram.”

A “pressão social” pode também contribuir para este comportamento. Expectativas de género, por exemplo, podem fazer com que as mulheres sintam pressão para ser “mais gentis, mais cuidadoras, mais contidas”.

A influência dos pares e a necessidade de ser aceite num grupo social também faz com que alguém possa ter este comportamento de “people pleasing”.

Que consequências pode ter?

A um nível físico e emocional, há “uma sobrecarga”, uma responsabilização por “assumir muitas tarefas” ou por “estar presente e não conseguir dizer que não”. Esta sobrecarga de responsabilidade pode gerar muito stress, ansiedade e até levar ao burnout. “Se houver dificuldade em dizer que não no trabalho, em fazer horas extras, por exemplo, pode levar a uma exaustão física”, continua Rita Sedas Nunes.

Mais ainda, pessoas que se comportam assim tendem a “pôr de lado a sua própria autenticidade”: “A pessoa acaba por se moldar muito ao ambiente e às pessoas com quem está e acaba por não tomar as suas próprias decisões.” Isto pode levar à criação de “relações desequilibradas”, onde dão muito mais do que o que recebem – o que acaba por gerar “ressentimento e frustração”.

Os outros, ao perceberem que o people pleaser está “mais susceptível a ajudar”, podem servir-se disso e “acabar por não respeitar os limites” de alguém que, por tudo isto, tem incapacidade em estabelecê-los.

Por outro lado, pode também fazer com que as relações não saiam de um estágio superficial: “Como [os people pleasers] estão sempre a fazer mímica da outra pessoa, para agradar, acaba por nunca ser aprofundada uma conexão emocional.”

Como lidar?

É essencial fazer algum “trabalho de análise” e procurar entender quais as experiências que levaram àquele comportamento. Depois, é importante “saber definir limites, ter uma comunicação mais clara e assertiva” – ferramentas que vão ajudar na “auto-valorização e auto-estima”.

Dizer que não pode ser uma experiência muito difícil, por isso, pode ajudar começar com “pequenos nãos, em situações de baixo risco”, com pessoas que são de maior confiança e com as quais há uma ligação emocional maior, por exemplo. A partir daí, e “à medida que nos vamos sentido mais confortáveis, podemos aplicar isto a contextos um bocadinho mais desafiadores”.

Um exemplo: se, no trabalho, alguém pede para desempenhares uma tarefa, e se for difícil dizeres naquele momento que não, podes responder que vais precisar de consultar a lista de tarefas antes de dar uma resposta final. “Ganhar tempo pode ser uma estratégia para preparar uma resposta mais elaborada” ou, simplesmente, para ganhar coragem para dizer que não.

Podes também tentar dar uma solução alternativa à pessoa que te pede alguma coisa, sugerindo, por exemplo, outra pessoa para desempenhar a tarefa.

Com pequenos passos, talvez consigas chegar ao “não mais avançado”, que consiste simplesmente no “não consigo fazer”, “não tenho possibilidade” ou até ao tão simples e assustador “não”, ponto.

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