Humilde e ambicioso, eis Miguel Monteiro, lançador do peso de ouro

Atleta de 23 anos, formado em Engenharia e Gestão Industrial, tem subido a pulso no atletismo, ao lado do treinador de sempre. O título paralímpico é (mais) uma recompensa.

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Miguel Monteiro no Stade de France, durante o concurso do peso F40 ENG CHIN AN / REUTERS
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Já lá vai uma década desde que os destinos de João Mendes e Miguel Monteiro se cruzaram. João, treinador à procura de talentos para alimentar o atletismo. Miguel, atleta com potencial ainda por desvendar. Desde esse ano de 2014 a caminhada tem sido longa, dura, com altos e baixos, desafios e expectativas, mas compensadora q.b. Passo a passo, Miguel Monteiro foi cravando o nome nos livros de desporto adaptado, graças a uma aptidão indisfarçável para o lançamento do peso. E depois de conquistas e medalhas em várias outras frentes, chegou o momento de celebrar um título paralímpico. Aconteceu neste domingo, em Paris, e foi o primeiro pódio para Portugal nos Jogos 2024.

“Foi uma prova bastante competitiva, porque apesar de ter passado cedo para a frente, havia sempre a possibilidade de alguém fazer melhor do que eu. O terceiro ensaio, foi, de facto, muito bom, embora eu saiba que consigo fazer melhor. Trabalhámos e aprendemos muito desde Tóquio e foi o nosso dia”, resumiu o agora campeão paralímpico, de 23 anos e ainda com um longo — e promissor — trajecto pela frente.

Sim, Miguel Monteiro é capaz de fazer melhor e os números estão aí para o provar. Desde 2022 que é o detentor do recorde do mundo do peso, na categoria F40 (um engenho de 4kg, para atletas de baixa estatura, abaixo de 1,30m), graças a um lançamento a 11,60m nos campeonatos nacionais, em Pombal (que deitou por terra os 11,16m do russo Denis Gnezdilov, fixados um ano antes). Por isso, para o lançador nascido em Mangualde, os 11,21m deste domingo não são o expoente máximo das capacidades.

Mas uma coisa é lançar numa prova doméstica, outra é nuns Jogos Paralímpicos. João Mendes já deixou várias vezes claro que Miguel não se deixa abater pela pressão e que se motiva ainda mais nos grandes palcos, e a verdade é que ser capaz de se aproximar da melhor versão numa prova desta exigência é um feito e tanto. De tal forma que lhe valeu o ouro, bem à frente do mongol Battulga Tsegmid (11,09m) e do iraquiano Garrah Tnaiash (11,03m).

No Stade de France, Miguel Monteiro foi o único lançador sempre na casa dos 11 metros. O primeiro ensaio até foi nulo, mas isso não o abalou: fez 11,02m, depois os 11,21m que lhe deram o título e que constituem novo recorde paralímpico, de seguida 11,00m e por último 11,17m.

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“Isto significa muito... Foram anos de muito trabalho e finalmente somos recompensados com esta medalha. Estou muito feliz”, reagiu no final da prova, confessando que só no último ensaio sentiu realmente que tinha assegurado o título.

Miguel Monteiro já tinha a experiência de ter subido a um pódio paralímpico, quando conquistou o bronze, na mesma competição, em Tóquio 2020. E revela que retirou ensinamentos dessa caminhada. “Depois do bronze, melhorámos algumas coisas, preparámo-nos ao longo do ciclo, que foi de três anos, e, sobretudo, nos últimos três meses para esta prova. Deu resultado”.

Tem sido assim, sempre a subir, desde que começou. Mesmo com a licenciatura em Engenharia e Gestão Industrial, na Universidade de Aveiro, pelo meio (que entretanto concluiu), o lançador da Casa do Povo de Mangualde tem sido capaz de conjugar as semanas preenchidas de treinos, muitas vezes bidiários, com o calendário académico. Sessões de pista e ginásio entrecortadas por sessões de estudo. Uma ginástica horária permanente para conseguir manter-se competitivo.

E se há algo que Miguel Monteiro tem mostrado desde cedo é uma natureza competitiva invulgar. Logo em 2016, conquistou o bronze no Campeonato Europeu do Comité Paralímpico Internacional (IPC) e, meses mais tarde, com apenas 15 anos, vestiu a pele do atleta português mais jovem de sempre a competir nos Jogos Paralímpicos, no caso, no Rio de Janeiro 2016.

Nessa altura, apresentava 8,41m como recorde pessoal, mas aproveitou o trampolim motivacional para chegar ao quinto lugar, com 8,89m. E não mais parou de acrescentar centímetros ao currículo: chegou aos 9,86m nos Mundiais de 2017 (prata), aos 10,92m nos Europeus de 2021 (ouro), num ano em que fez ainda 11,01m, antes de fixar os tais 11,60m que ninguém conseguiu superar.

Um percurso invulgar trilhado por alguém que é descrito pelo treinador como humilde, trabalhador e divertido. Alguém que conta com uma estrutura familiar sólida, que prefere assinalar o crescimento sustentado dos apoios públicos do que apontar lacunas passadas, alguém que se prepara diariamente para saber aproveitar as oportunidades.

Foi assim que conseguiu, neste domingo, a primeira medalha de ouro do atletismo paralímpico português desde Sydney2000. Assim e com a mentalidade certa para a alta competição, de quem tem mais tendência para acelerar do que para abrandar à sombra de êxitos passados: “Acho que consigo fazer melhor, mas isso fica para a próxima.”

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