Jogo de damas, striptease e uma garagem na periferia

Quando o vi despido diante de mim, depois da derrota esmagadora causada por esta dama que vos escreve, um triunfo de nervos indescritível apoderou-se de mim.

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Jogo de damas, striptease e uma garagem na periferia Getty Images/ KASHAPOVA?
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Se era para ir despindo peças de roupa consoante as derrotas de um jogo, propus o tabuleiro das damas — não tinha memória de ter perdido uma única vez em idade adulta. No banco de trás do carro, numa garagem na periferia de Lisboa, eu e o Manuel começámos então o campeonato de striptease.

Logo nas primeiras jogadas, depois de lhe ter comido três peças brancas de seguida, percebi que ele iria ficar rapidamente como a mãe o deu ao mundo. Começou por tirar os ténis e compreendi que era um homem responsável pela sua higiene. À segunda derrota, tirou as peúgas — umas meias brancas turcas com duas raquetes cruzadas, uma peça vintage nos anos 2000 —, que optou por colocar nas orelhas e fez com que desatássemos a rir, quebrando a tensão que começava a surgir dentro do Citroën Saxo.

A terceira peça que o Manuel foi obrigado a despir foi a t-shirt branca, e pude ver pela primeira vez, à luz ténue da iluminação da viatura, o seu tronco peludo. Nunca tinha visto um peito com tantos pêlos. Até à data tinha tido namorados imberbes, por isso impressionou-me pelo lado animalesco, primitivo até. Não sei se gostei propriamente, porém senti o impacto e a antecipação de estar prestes a ficar diante de um homem nu.

Depois, o Manuel perdeu as calças de ganga e só faltava um último jogo — a não ser que eu perdesse, coisa que claramente estava longe de ser concretizada — para ter de tirar os boxers pretos e justos. Assim foi. Se até ao momento tínhamos estado a rir e a dizer disparates, consoante a temperatura sexual ia subindo durante as partidas de damas, quando o Manuel teve de despir as cuecas, nenhum de nós foi capaz de abrir a boca. Senti um silêncio absoluto dentro do Citroën Saxo, dentro da garagem, dentro da cidade, dentro do mundo e do universo.

Há uns meses que estava apaixonada por ele, desde que o tinha visto entrar no ensaio da companhia de teatro. Um rapaz muito alto, com uma camisa fina azul-bebé, encostado à ombreira da sala. Não acreditava, e continuo a não acreditar, na paixão ao primeiro olhar, mas algo estranho se passou comigo naquele dia.

Foram precisas apenas umas semanas para que rompesse o noivado com o homem que eu amava há mais de quatro anos. Nunca fui do tipo instável ou destravado no que diz respeito às relações amorosas, por isso o meu comportamento até para mim própria era bastante incompreensível. Contudo, não tive dúvidas. Mesmo antes de ter acontecido algo entre mim e o Manuel, rompi o noivado e quis ser livre para viver a minha paixão, fosse ela concretizada ou não.

Por isso, quando o vi despido diante de mim, depois da derrota esmagadora causada por esta dama que vos escreve, um triunfo de nervos indescritível apoderou-se de mim. Ele tinha o sexo tapado com a mão direita. Estávamos ambos recolhidos no banco de trás, ele aproximou-se e beijou-me os lábios devagar. Não era a primeira vez que nos beijávamos, já tinha acontecido outras vezes, mas nunca tinha passado desse nível de intimidade e não tínhamos uma relação amorosa, éramos amigos. A nossa convivência diária nos ensaios resumia-se a flirt e a muita agitação hilariante.

Ele fazia-me rir, nunca tinha conhecido alguém que me virasse o estômago do avesso de tanto riso. O Manuel era parvo e talentoso, profundo mesmo na sua arte, uma mistura atípica de comediante e artista com uma capacidade extraordinária para aceder ao lado subterrâneo da condição humana. Além disso, um homem excepcionalmente bonito e cheio de brilho. Daqueles actores que não precisam de projectores em cena, a sua presença trazia luz. A coisa mais divertida e vibrante que me aconteceu, até aos meus vinte e um anos, foi tê-lo conhecido.

Quando tirou finamente a mão que cobria o sexo para me acariciar o rosto e o cabelo, senti que estava erecto. Muitas vezes não é preciso olhar, verificar através da visão aquilo que os outros sentidos sabem. A respiração pesada, os gestos sôfregos. Beijámo-nos e beijámo-nos sobre os estofos de tecido azul-escuro do banco do carro, apenas pausando para nos olharmos. Olhos nos olhos num silêncio amoroso apenas quebrado pela nossa respiração. Pude ver depois o sexo erecto e senti, como nunca antes, vontade de o beijar. Um falo tão bonito, imponente e rosado.

Beijei-o ternamente, senti a suavidade da sua pele e o cheiro doce de um sexo masculino lavado. Ele não se pôde conter durante muito tempo, éramos ambos jovens e pouco experientes, e afastou-me à pressa, mas sem agressividade, a cabeça do seu sexo. Vi então o sémen branquíssimo e espesso espalhar-se na sua barriga, na zona abdominal sobre os pêlos curtos castanhos-claros. Um dilúvio de prazer sobre si próprio. Ouvi-o gemer baixinho durante o êxtase e observei o seu rosto franzido. Depois, limpou-se à t-shirt branca e abraçou-me, trouxe-me para o seu peito. Ficámos abraçados lado a lado no banco de trás do carro, como meninos bem-comportados, a caminho de um destino que ainda não podíamos saber.

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