Contra a lei do silêncio, mulheres afegãs cantam na Internet e desafiam os taliban

Taliban anunciaram na última semana legislação que proíbe as mulheres de falar em público, olhar para os homens ou mostrar o rosto. Repressão agrava-se desde o regresso ao poder, em 2021.

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Afegã mostra ilustração em Cabul, em alusão à perda de direitos das mulheres no país SAMIULLAH POPAL / EPA
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Num movimento que vai crescendo na Internet, as mulheres afegãs estão a fazer frente ao regime taliban, ao publicar vídeos a cantar, num desafio às novas leis que proíbem que a sua voz seja ouvida em público ou usada dentro de casa, seja para cantar ou ler em voz alta.

Tanto a partir do Afeganistão como noutros países, mulheres de origem afegã juntam-se ao coro que condena a mais recente legislação relativa ao “vício” e à “virtude", numa nova escalada da repressão que os taliban justificam com o cumprimento da sharia (lei islâmica).

Nos vídeos partilhados nas redes sociais, algumas cantam com a identidade protegida pela burqa, véu integral que cobre todo o corpo e rosto. Outras olham directamente para a câmara.

“Quero estar sozinha, longe de toda a gente. Para me libertar de todo este sofrimento, para respirar de novo e me perder, para ficar tranquila e a minha alma se encher de luz”, ouve-se na voz de uma poetisa afegã, num vídeo partilhado pela organização internacional Human Rights Watch.

Na semana passada, a 22 de Agosto, os taliban anunciaram a nova legislação que será aplicada pelo Ministério da Moralidade, formalmente designado Ministério da Prevenção do Vício e Propagação da Virtude, e que agrava a repressão de liberdades e direitos das mulheres.

Entre as regras da chamada lei da moralidade, ratificada pelo mullah Haibatullah Akhundzada, líder supremo dos taliban, incluem-se, para as mulheres, a obrigatoriedade de usar vestuário que cubra totalmente o seu corpo e rosto; a proibição de olhar para homens que não sejam seus familiares; ou a exigência de silêncio. Apesar de muitas destas regras já estarem em vigor, só agora foram formalizadas.

Segundo os taliban, a voz da mulher pode levar os homens a cair em tentação e, por isso, em nome da sharia, fica proibida. Em público, não podem falar, cantar ou rezar. Em casa, devem falar baixo, para que ninguém as ouça no exterior.

Noutro vídeo divulgado online, uma mulher de rosto coberto canta, segundo cita e traduz o britânico Telegraph: “Puseram o selo do silêncio na minha boca até nova ordem. Não me vão dar pão nem comida até nova ordem. Prenderam-me dentro de casa pelo crime de ser mulher.”

Apesar das promessas de moderação, maior inclusão e respeito pelos direitos básicos das mulheres, foi preciso pouco tempo para os taliban imporem a sua rígida interpretação da sharia após regressarem ao poder no Afeganistão, em Agosto de 2021. Desde então, "temos assistido a uma escalada constante e gradual da repressão", considerou Heather Barr, directora do departamento de direitos das mulheres da Human Rights Watch.

“Minha terra, tão cansada. Cansada de traição, sem uma canção, sem uma voz. Minha terra, em agonia e sem cura”, canta a jornalista iraniana Masih Alinejad, em solidariedade com as mulheres afegãs e num apelo a que mais mulheres se juntem ao movimento nas redes sociais. “Minha terra, estou sem ninho, fiquei sem casa. Sem ti tornei-me amiga da mágoa.”

Ao desafiarem o regime, as mulheres afegãs arriscam ser detidas e punidas pelos taliban de forma arbitrária. Da lista de sanções possíveis fazem parte "conselhos, avisos de punição divina, ameaças verbais, confisco de bens, detenção de uma hora a três dias em cadeias públicas e qualquer outra punição considerada apropriada", segundo um comunicado do Ministério da Justiça afegão.

"É uma visão angustiante para o futuro do Afeganistão, onde os inspectores morais têm poderes discricionários para ameaçar e deter qualquer pessoa com base em longas e, por vezes, vagas listas de infracções", denuncia Roza Otunbayeva, ex-Presidente da Quirguízia e coordenadora da missão das Nações Unidas no Afeganistão. "Esta lei aumenta as já intoleráveis restrições aos direitos das mulheres e raparigas afegãs, em que até o som de uma voz feminina fora de casa é, aparentemente, uma violação moral."

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