Festas da Aldeia, adaptação necessária e natural

De início detestei. Mas com os anos comecei a apreciar certas partes das festividades, especialmente pela dimensão social. Eu mudei, mas as festas da aldeia também.

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Nasci e vivi uma parte considerável da minha vida numa aldeia, com as festas populares, misturadas com as dimensões religiosas, a fazerem parte da vida quotidiana. À medida que fui crescendo, fui perdendo o interesse ao ponto de lhes ganhar repulsa. Nada nessas festas me interessava verdadeiramente. Os meus amigos, com quem me identificava e partilhava gostos, não estavam lá. A música não me agradava e pouco mais que do que beber havia para fazer. Ir à festa era um desperdício de tempo.

Hoje a minha aldeia já não é bem uma aldeia, mais se parece com um subúrbio urbano, muito parecido com aquele onde vivo agora, apesar de ser a cinco minutos do centro da cidade onde vivi dez anos.

Por acasos da vida, na minha nova família de adopção – aquela que ganhamos quando constituímos a nossa própria – fui forçado a vivenciar de novo o fenómeno “Festa da Aldeia”, embora fosse numa vila. De início detestei. Mas com os anos, comecei a apreciar certas partes das festividades, especialmente pela dimensão social. Eu mudei, mas as festas da aldeia também.

As ditas festas populares, apesar de serem marcadamente influenciadas pela religião católica, são resultado de mudanças decorridas, em alguns casos, ao longo de séculos. São notórias as influências pagãs, cultos de imagens, oferendas, procissões a espaços naturais onde mais tarde se edificaram altares e outras construções de culto. Mudam-se os nomes, adaptam-se os rituais e transfiguram-se as crenças. Mas mantém-se uma certa prática colectiva agregadora das comunidades, embora em permanente mudança, ainda que possa ser lenta e imperceptível à escala da vida humana.

Naturalmente, estas festas estão a mudar. Começam a surgir bandas que vão além da música de baile popular. Ouvem-se covers de rock e surgem momentos de DJs. Algumas festas já separam os espaços, criam bares diferenciados. Têm espaços dedicados às crianças, alguns à gastronomia e tendas onde se podem comprar produtos locais. O fenómeno religioso dissipa-se, mas continua lá presente, como uma opção para os devotos e um adorno para os leigos. As festas democratizam-se, acelerando a sua história de adaptação aos valores e costumes das comunidades. Algumas festas populares replicam os festivais de verão.

Hoje, em tempos mais líquidos, fluidos onde nos podemos reconfigurar, a liberdade impera. Por isso, as festas populares que pretendam prosperar e continuar a atrair pessoas têm algumas opções. Podem, por exemplo, reforçar ou proteger o seu lado pitoresco, aquilo que eventualmente têm de único e tradicional, enquanto proporcionam e oferecem variedade de escolha. Assim, quem visita, mesmo que não goste de uma certa comida ou bebida, tem outras opções. O mesmo para a música e actividades, pelo que devem existir várias de modo a cativar os infindáveis perfis com que nos podemos identificar hoje e talvez ainda mais no futuro. E tudo isto pode acontecer, harmoniosamente, no mesmo espaço, em proximidade e reforçando a reconfiguração das novas comunidades.

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