Baixa taxa de natalidade não convence novas gerações da Coreia do Sul a ter filhos

As prioridades dos jovens entre os 20 e 30 anos que, em média gastam mais e poupam menos que os seus pares noutros países, não se coaduna com a ideia de constituir uma família.

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Jovens às compras num mercado em segunda mão, em Seul JIHOON LEE/Reuters
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Enquanto a Coreia do Sul se esforça por travar o acentuado declínio da sua taxa de natalidade, os decisores políticos estão a ter dificuldade em convencer os jovens na casa dos 20 e 30 anos de que a maternidade é um investimento melhor do que comprar roupas elegantes ou ir a restaurantes de luxo.

A quarta maior economia da Ásia planeia lançar um novo ministério dedicado aos desafios demográficos, depois de anos de incentivos não terem conseguido atenuar a crise de natalidade.

Mas para Park Yeon, uma instagrammer de moda de 28 anos e aspirante a cantora, as escolhas de gastos são guiadas principalmente pelos seus apetites por roupas e viagens, deixando pouco orçamento para casamento e bebés. "Sou toda a favor do YOLO [sigla para "you only live once", só se vive uma vez]", declara Park enquanto vendia as suas T-shirts Supreme num festival de moda em segunda mão no enclave de alta costura de Seul, Seongsu-dong.

"Depois de fazer todas as coisas que me apetece, não sobra o suficiente para poupar todos os meses. O casamento pode acontecer um dia, mas ser feliz neste momento é mais importante, certo?", insiste.

A Coreia do Sul continua a bater o seu próprio recorde de ter a taxa de natalidade mais baixa do mundo, que atingiu um novo mínimo no ano passado. Segundo os sociólogos, as prioridades do estilo de vida dos coreanos na casa dos 20 e 30 anos — considerados as gerações Y e Z — significam que, em média, gastam mais e poupam menos do que a população em geral ou do que os seus pares noutros países, o que não é propício à construção de famílias.

"Estão à procura de estatuto. Os seus elevados hábitos de despesa mostram que os jovens estão a trabalhar nas suas próprias ideias de sucesso, em vez de se concentrarem nos objectivos impossíveis de se estabelecerem e terem filhos", identifica Jung Jae-hoon, professor de sociologia na Universidade Feminina de Seul.

Nem mesmo a subida agressiva das taxas de juro na Coreia do Sul, nos últimos três anos, conseguiu controlar as despesas dos jovens. A taxa de poupança das pessoas na casa dos 30 anos desceu para 28,5% no primeiro trimestre, contra 29,4% há cinco anos, enquanto a de todos os outros grupos etários aumentou no mesmo período, mostram os dados do banco central.

Em simultânea, as pessoas na faixa dos 20 e 30 anos são as que mais gastam nos grandes armazéns e nos hotéis de luxo, enquanto as suas despesas de viagem aumentaram de 33,3% nos últimos três anos para 40,1%. A proporção das despesas dos jovens de 20 anos nos grandes armazéns quase duplicou para 12% nos últimos três anos até Maio, revelam os dados da Hyundai Card, enquanto a proporção das despesas de todos os outros grupos etários diminuiu.

Só no ano passado, as receitas dos restaurantes buffet de preço elevado aumentaram 30,3%, contra um aumento de 10,5% nos restaurantes de fast food e de 9% em todo o sector da restauração, segundo a empresa de estudos de mercado Euromonitor.

Por exemplo, as vendas no Seoul Dragon City Hotel — um lugar popular no Instagram — para a sua sobremesa sazonal de morango de 90.000 won (60,50 euros), que pode comer à vontade, aumentaram 150% em relação ao Inverno passado, mesmo depois de o hotel ter aumentado o preço em 12,5%. Em contrapartida, os australianos entre os 25 e os 29 anos reduziram as despesas em 3,5% no primeiro trimestre de 2024 em relação ao ano anterior, devido à pressão do custo de vida, revela um relatório do Commonwealth Bank of Australia.

Segundo um estudo da Morgan Stanley, realizado no ano passado, os gostos extravagantes dos coreanos fizeram deles os maiores gastadores per capita do mundo em marcas de luxo, e um destino muito procurado pelas maiores marcas de luxo. A Chanel, a Celine e a Dior assinaram acordos com grupos de K-pop orientados para os adolescentes, como os Blackpink e os NewJeans, como embaixadores globais da marca.

Prazer e dor

De acordo com um inquérito realizado pela empresa de investigação PMI Co., em Maio, as dificuldades financeiras são, de longe, a principal razão apontada pelos sul-coreanos para não terem filhos. Cerca de 46% dos 1800 inquiridos responsabilizaram a incerteza do emprego ou os custos da educação por esta decisão.

Esta situação é agravada pelo facto de os rendimentos anuais apenas terem aumentado 2% no ano passado para as pessoas na faixa etária dos 20 e 30 anos, menos do que o aumento de 4,5% para todas as famílias, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística da Coreia.

O Governo de Yoon Suk Yeol anunciou, em Maio, um plano para criar um novo ministério para se concentrar nas questões demográficas, depois de dezenas de medidas políticas, incluindo subsídios para reverter as vasectomias, apoio em dinheiro para as famílias com recém-nascidos, viagens gratuitas de táxi e licenças mais longas para cuidar de crianças, não terem conseguido inverter a queda das taxas de natalidade.

Num inquérito realizado em 2021 pelo PewResearch Center dos EUA a 17 países desenvolvidos, em que se perguntava o que dá sentido à vida, a Coreia do Sul foi o único país em que o bem-estar material foi a resposta principal. Noutros países, a família ou a saúde foram as principais respostas.

Para Park, ter filhos é um complemento que ela pode considerar se a sua carreira de cantora vingar. "Se as coisas correrem bem com o que faço, seguir-se-ão as poupanças, o casamento e tudo o resto. Por agora, as minhas prioridades são desfrutar da minha vida e trabalhar no meu emprego de sonho", resume.