Os atletas olímpicos precisam de mais apoios… Sobretudo o nosso, que vemos do sofá…

O que está ao meu/nosso alcance para melhorar este estado de coisas, humildes leitores sem responsabilidades governativas?

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Iúri Leitão e Rui Oliveira durante a final da prova de ciclismo de pista (madison) nos Jogos Olímpicos de Paris, que venceram JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA
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Em Portugal as discussões alargadas sobre o desporto quer no âmbito do seu financiamento, quer na qualidade da nossa formação desportiva fazem lembrar o All I want for Christmas da Mariah Carey, mas em vez de terem um pico em Dezembro e não se ouvir mais o resto do ano, existem só de quatro em quatro anos, na ressaca de cada edição dos Jogos Olímpicos. Como passaram 15 dias desde o seu final, já só falamos novamente de quem é que o nosso clube de futebol pode ir buscar até ao final do mercado de transferências e (felizmente) de uma “Vuelta” onde poderemos ver um português fazer história.

Escrever mais um artigo a destacar a “falta de apoios” por parte do governo que os atletas olímpicos em Portugal possuem é uma tarefa extremamente fácil e altamente tranquilizadora para a consciência de quem o faz, mas que não contribui assim tanto para a resolução do problema.

É de facto importante perceber que a já curta orçamentação deste item nem sempre está bem distribuída e organizada, mas vamos todos acreditar (e cobrar) que a mistura entre genuíno apoio (há mais de 20 anos que um primeiro-ministro não visitava a aldeia olímpica) e aproveitamento político (o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, disse que esta presença foi “talismã” e que o primeiro-ministro “trouxe com ele uma medalha de ouro e medalha de prata”) possa fazer com que os famosos números que vieram à baila (Portugal investe no desporto cerca de 40€/habitante, enquanto a média na UE é 113€/habitante) melhorem substancialmente nos próximos anos.

A feliz (não) coincidência de quatro medalhas e diplomas desta última participação terem vindo do ciclismo de pista e canoagem onde foram criadas infraestruturas em Sangalhos e Montemor-o-Velho tem um significado político forte e espera-se uma maior e melhor visão para o desporto daqui em diante.

Mas o que está ao meu/nosso alcance para melhorar este estado de coisas, humildes leitores sem responsabilidades governativas? Costuma-se dizer que Portugal é um país de “monocultura desportiva” onde só cabe o futebol. Se isso não é necessariamente mau, porque ter dos melhores jogadores e treinadores do mundo na modalidade que movimenta mais dinheiro é algo que nos deve orgulhar (caso os Jogos Olímpicos tivessem futsal e futebol de praia eventualmente o número de medalhas/diplomas seria bem maior), também é verdade que Portugal nem um país de futebol “genuíno” é.

Por cá, a maioria das pessoas não gosta de futebol, gosta do seu clube de futebol. Clube esse que invariavelmente é um dos três grandes, sendo o clube da terra relegado para um patamar secundário. O que se passa em Guimarães com o Vitória Sport Clube é visto quase como um case study, mas é o reflexo daquilo que deveria existir em todos os outros clubes e cidades (a média de espectadores da Liga Portugal 2023-24 retirando os três grandes mais Vitória SC e SC Braga foi inferior a 4000 pessoas/jogo).

Olhando para a nossa vizinha Espanha (que por sinal é atual detentora dos títulos europeu sénior, sub19, olímpico e taça das nações no masculino e mundial, taça das nações e europeu sub19 no feminino) e vemos que (para além de Madrid e Barcelona logicamente) cidades como Valência, Bilbau, San Sebastian, Sevilha, Corunha e Málaga (estes últimos até em divisões inferiores) possuem no clube local uma marca fortíssima de identidade cultural.

Por isso se até na nossa “monocultura” futebolística o panorama é assim, imagine-se nas outras modalidades, em que os próprios três grandes têm quase sempre o pavilhão a meio gás nos jogos da época regular, só enchendo para derbies ou jogos de decisão de campeonato. Aliás, só com mais massa crítica se consegue igualmente melhorar o trabalho que algumas federações fazem na promoção da respectiva modalidade, algo em que ainda temos um caminho muito longo a percorrer.

Quando a tudo isto juntarmos o facto de 73% dos portugueses não praticarem atividade física ou desportiva, sendo o pior país da União Europeia a este nível, facilmente se percebe que Portugal tem não só um problema político com o desporto, mas sobretudo um problema crónico de falta de cultura desportiva. Se um adulto sedentário começar a treinar amanhã, não vai logicamente chegar a atleta olímpico, mas está bem estudada a associação entre pais fisicamente ativos que originam filhos fisicamente ativos, aumentando assim a base de recrutamento para diferentes desportos.

Portanto, ficar apenas preocupado com os apoios do governo sem cumprir a nossa parte, é um racional semelhante aos ativistas da igualdade salarial entre homens e mulheres no desporto que só assistem aos eventos desportivos dos primeiros (ou nenhuns), não contribuindo com nada para a economia que poderia melhorar esses mesmos salários. Não vão ver os jogos ao vivo (ou pedem borlas), não contribuem para as audiências televisivas e grande parte das vezes nem o nome das atletas sabem, mas a nossa consciência fica mais descansada quando fazemos um post sobre isso nas redes sociais. Por falar em redes sociais, seguir os atletas a sério em vez dos influencers a brincar também aumenta a sua visibilidade e a possibilidade de serem patrocinados por marcas que lhes permitam uma dedicação mais exclusiva e profissional à sua atividade.

Portugal não tem um Ministério do Desporto, tem uma secretaria de Estado (que está hoje felizmente ocupada por alguém mais conhecedor de desporto do que em mandatos anteriores) e por isso é mais fácil não responder a reivindicações desportivas que surgem a cada quatro anos do que não responder a pedidos semanais de médicos, enfermeiros, polícias, professores e demais funcionários públicos. A força política para apostar em infraestruturas desportivas que depois ficam vazias quer em praticantes, quer em público é sempre menor, sobretudo num país “escaldado” por alguns elefantes brancos do Euro 2004.

É verdade que o Estado tem de fazer o seu papel, mas nós também temos de fazer o nosso.

Por isso, boa hibernação desportiva e até agosto de 2028 à mesma hora…

Pedro Carvalho, Matosinhos, 25 agosto 2024

Sócio e nutricionista voluntário do voleibol do Leixões Sport Club

P.S. – Da próxima vez que reclamar sobre a falta de apoios para os atletas olímpicos preencha a seguinte checklist:

  • pratico desporto ou pratiquei de forma federada no passado? Os meus filhos fazem-no?
  • sou adepto do(s) clube(s) da minha cidade natal ou apenas dos três grandes?
  • sou sócio e contribuo monetariamente para algum desses clubes?
  • acompanho as restantes modalidades ou apenas o futebol?
  • acompanho o futebol e outras modalidades no feminino ou apenas no masculino?
  • assisto ao vivo aos jogos/provas desses clubes ou faço-o apenas pela televisão? Se o faço pela televisão, sou assinante dos canais desportivos ou tenho em casa iptv “pirata”?
  • quantos dos 73 atletas olímpicos de Paris 2024 sigo nas minhas redes sociais?
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