Um referendo perigoso e desajustado

Brandir chavões perniciosos sobre a imigração, acenando ao mesmo tempo com a possibilidade de um referendo, é motivo de arrepios. Fazer disso moeda de troca para a aprovação do OE2025, um insulto.

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A ideia de um referendo sobre imigração, lançada pelo partido Chega a meio de Agosto, é perigosa e desajustada.

Perigosa porque vem alimentar a narrativa de um partido populista que considera que a própria imigração por si só é um perigo e um dos problemas centrais da sociedade portuguesa, o que é um delírio.

Desajustada porque assenta numa falsa ideia, alimentada todos os dias pelo Chega, de que há uma relação directa entre imigração e criminalidade, algo que os próprios factos facilmente desmentem. O número de imigrantes quase duplicou em Portugal desde 2014 e esse crescimento não foi, nem de perto nem de longe, acompanhado por um aumento da criminalidade ou por um qualquer aumento da população de reclusos estrangeiros, tal como o PÚBLICO aqui explicou com detalhe.

Perigosa porque a figura do referendo, inscrita na Constituição com a revisão de 1997, não foi feita para ser utilizada em matérias deste tipo. Vários acórdãos do Tribunal Constitucional alertam, aliás, para a delicadeza do que está em causa. As questões a referendar devem ter sempre “objectividade e precisão”, para se evitar posteriormente “a existência de equívocos” ou “consentir leituras ambíguas”. Uma pergunta à população sobre se a imigração deveria ser controlada seria, por isso, uma aberração.

Desajustada porque a própria figura de referendo tem vindo a perder qualquer utilidade. Segundo a actual lei, um referendo só tem validade se nele participarem mais de 50% dos eleitores recenseados. É o que está expresso no artigo 240 da lei dos referendos: “Só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.” Em nenhum dos três referendos (houve um sobre a regionalização, em 1998, e dois sobre a despenalização do aborto, em 1998 e 2007), mais de metade dos portugueses achou que a questão em causa era suficientemente importante para sair de casa, ou seja, mais de metade dos votantes não quis saber da pergunta que era feita. A participação máxima foi de 49% na consulta sobre a regionalização e a menor de 31%, sobre o aborto.

As pessoas votam nos seus representantes com base em programa eleitorais e com base em concepções da sociedade. A democracia representativa é isso mesmo.

Brandir chavões perniciosos e irresponsáveis sobre a imigração, acenando ao mesmo tempo com a possibilidade de uma consulta directa à população, é motivo de arrepios. Fazer disso moeda de troca para a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, um insulto. À atenção de Luís Montenegro.

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