Venezuela: procurador-geral diz que líder da oposição deve ser acusada de homicídio

Tarek Saab considera Corina Machado autora moral das mortes causadas pela repressão policial aos protestos pós-eleitorais. TPI recebeu centenas de queixas contra o regime nas últimas semanas.

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María Corina Machado está sob investigação da justiça venezuelana Leonardo Fernandez Viloria / REUTERS
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O responsável máximo do Ministério Público da Venezuela, Tarek William Saab, afirmou numa entrevista que a líder da oposição pode ser acusada, “a qualquer momento”, pela autoria moral das 25 mortes provocadas pela repressão policial do regime aos participantes nos protestos pós-eleitorais.

“Os venezuelanos responsabilizam-na por todas essas mortes [de pessoas] que foram assassinadas em situações que não podem ser classificadas como protestos”, disse Saab, referindo-se a María Corina Machado como “autoproclamada líder”, mas sem a nomear, durante uma entrevista ao canal televisivo EvTV. Questionado pelo jornalista sobre se Corina Machado poderia ser acusada de homicídio, respondeu: “A qualquer momento podem ser, qualquer um deles, responsabilizados como autores morais de todos estes factos”.

María Corina Machado, a fundadora do partido Vente Venezuela que candidatou Edmundo González Urrutia às eleições presidenciais de 28 de Julho, através da Plataforma Unitária Democrática, tem-se assumido e sido reconhecida como líder da oposição e tem participado nas manifestações contra a anunciada reeleição de Nicolás Maduro pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Foi ela que montou a operação de recolha e contagem paralela dos votos em mais de 23 mil mesas, cujas actas foram publicadas na Internet e comprovam a vitória do principal candidato da oposição.

Questionado sobre a investigação que o regime fez à página web onde foram publicadas essas actas, o procurador-geral evitou responder directamente, mas insistiu que essas actas têm assinaturas “idênticas” e estão “desfocadas”.

As actas oficiais ainda não foram divulgadas pelo CNE – como têm exigido a oposição e muitos países, mesmo próximos de Nicolás Maduro, como o Brasil, Colômbia e México – e todo o processo eleitoral está agora a ser escrutinado pelo Tribunal Supremo de Justiça, afecto ao regime. Isto enquanto se multiplicam as verificações independentes de organismos e autoridades internacionais – como a ONU –, além de órgãos de comunicação social de outros países.

Já esta semana, foi divulgado um novo relatório da professora Dorothy Kronick, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que desmente as alegações de uma vitória de Nicolas Maduro nas recentes eleições presidenciais da Venezuela. A autora cita inclusive os elogios do antigo Presidente dos EUA Jimmy Carter ao sistema eleitoral venezuelano, como "o melhor do mundo", e pormenoriza a quase impossibilidade de manipulação dos votos, seja pela oposição, seja pelo regime.

Para chegar a esta conclusão, a especialista em política da América Latina e autora de numerosos estudos sobre a região cita várias salvaguardas que existem no sistema de votação do país, incluindo a utilização de dados biométricos para aceder e processar o boletim de voto, que foram introduzidas pelo antigo Presidente Hugo Chávez.

O ângulo inovador da investigação de Kronick é o concentrar-se na verificação dos registos dos cidadãos e no processo de auditoria que é realizado em 51% das assembleias de voto, uma vez impressas as actas após o encerramento das assembleias de voto. Este processo “acrescenta uma etapa adicional para validar se os resultados do relatório impresso correspondem aos boletins que cada eleitor coloca numa urna depois de ter seleccionado o candidato da sua preferência no ecrã táctil”, explica o estudo.

“Nos 20 anos que se passaram desde a implementação deste sistema de votação electrónica, o CNE sempre cumpriu aquela norma, excepto em três ocasiões: a eleição da Assembleia Nacional Constituinte em 2017, um referendo em 2023 [relativo à anexação do território de Essequibo], e a eleição presidencial em 28 de Julho deste ano, para o qual a CNE não publicou (pelo menos até à data) quaisquer dados ao nível da máquina de votação”, escreve a investigadora.

Outra investigação diferente foi feita pelo site Caçadores de fake news” que reuniu meia centena de vídeos compartilhados nas redes sociais na noite eleitoral, nos quais os resultados foram anunciados em voz alta por membros das mesas de voto em diferentes locais do país, e os compararam com os publicados na página resultsconvzla.com. Nos vídeos analisados, o candidato Edmundo González Urrutia aparece como vencedor em cada resultado anunciado, superando Nicolás Maduro.

Entretanto, o regime continua com a chamada Operação Tun-tun, a deter ilegalmente opositores políticos e manifestantes, como denunciam dezenas de publicações nas redes sociais. Na semana passada, o Tribunal Penal Internacional informou já ter recebido, desde o dia seguinte à eleição, pelo menos 646 denúncias de violações de direitos humanos por parte do Governo de Nicolás Maduro, envolvendo prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados, perseguições políticas, violações de menores, tortura, segregação política, homicídios, perseguições, tratamentos cruéis e degradantes.

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