Sentem que andamos mais cansados que nunca? Que o ritmo diário drena a nossa energia e capacidade mental? Os motivos são vários, mas diria que a maioria advém da hiperaceleração de tudo – da tecnologia, da informação, da moda, das tendências… Tudo à nossa volta surge, obsolesce e é substituído a uma velocidade difícil de acompanhar. Mas centrar-me-ei agora no problema aplicado à realidade laboral. Apontamos muitas vezes o nosso trabalho como a fonte da nossa fadiga e sentimos um crescente estado de tensão. Mas, embora reconheça a exigência efectiva de muitas profissões, o problema avulta-se com a forma como passamos o tempo para além do trabalho.
Os vários recursos de que dispomos, cognitivos, emocionais, físicos e psicológicos, vão sendo gastos durante o período de trabalho e idealmente seriam repostos quando não estamos a trabalhar. As esferas trabalho e não-trabalho são fracções importantes da nossa vida, e os dois domínios interferem necessariamente um com o outro. O tempo passado fora do local de trabalho tem um impacto incontestável na forma como nos sentimos durante o período laboral. A nossa recuperação, proporcionada pelo descanso e actividades agradáveis, tem efeito sobre a forma como experienciamos o dia de trabalho seguinte.
A acção dessas chamadas experiências de recuperação no decréscimo da tensão e consequente aumento do nosso nível de desempenho é importante, pois se por um lado é exigida cada vez mais eficácia para fazer frente às pressões competitivas, por outro, as patologias associadas a este desequilíbrio são cada vez maiores. Ansiedade, distúrbios de sono, depressão, burnout, fadiga crónica e hipertensão para nomear apenas os mais comuns. Estes distúrbios aparecem como sintoma mas também como alerta. São avisos do nosso organismo, que levanta uma bandeira vermelha a sinalizar o perigo. O nosso corpo não é todo-poderoso e não pode viver em constante desafio, a ser levado diariamente ao limite das suas capacidades. Nós tendemos naturalmente para a homeostase.
A homeostase é um mecanismo de regulação que, perante a detecção de um desequilíbrio no sistema, inicia um processo de tentativa de normalização e correcção dentro dos limites da biologia humana e do ambiente físico e social. A tensão laboral surge como sinalizador da necessidade de equilibrar o sistema repondo os níveis de energia – funciona como marcador somático do estado actual do organismo. O objectivo é orientar o comportamento na direcção do que são os interesses biopsíquicos do organismo, através da recuperação, que idealmente leva ao estado homeostático funcional. Descansar e recuperar são comportamentos adaptativos – garantem a preservação da integridade do organismo.
A necessidade de recuperação é um resultado inevitável da fadiga originada pelo esforço dos dias de trabalho. O distanciamento do trabalho é decisivo para a recuperação, porque alivia a tensão que foi imposta ao sistema funcional. O tempo fora do trabalho, os fins-de-semana e as férias são os períodos caracterizados pela ausência das exigências de trabalho, ou pelo menos pela sua redução, que possibilitam a recuperação da tensão induzida por essas exigências. Mais importante que a quantidade de tempo de lazer é a qualidade das experiências, que está associada não a uma tarefa específica mas a particularidades que lhe estão subjacentes, como o relaxamento, o distanciamento psicológico das tarefas do local de trabalho, a aprendizagem e o controlo.
A questão é que talvez tenhamos desaprendido o conceito de relaxar. Um final de dia no sofá a ver televisão ou a fazer scroll no Instagram dificilmente contribuirão para recuperar os nossos níveis de energia. Para além da passividade e sedentarismo, estamos a processar informação e a absorver informação “vazia”. A fórmula não é mágica ou one-size-fits-all. Temos de testar e aprender o que resulta connosco, qual a actividade que contribui mais para o nosso relaxamento físico e psicológico, para dormirmos melhor, para nos sentirmos recuperados no dia seguinte. Ginásio, yoga, um passeio à beira-mar, ler um livro, um café na esplanada e uma conversa… É necessário um esforço eficaz no sentido da saúde ocupacional e gestão do tempo – o afastamento das actividades laborais e envolvimento em actividades que proporcionem satisfação, realização e relaxamento são capitais para a recuperação da energia despendida.