A receita da minha… avó: Carlos Teixeira e a canja da avó Zulmira

Ainda hoje, sempre que visita a avó, o chef do restaurante da Herdade do Esporão sabe que tem à sua espera a “canjinha” com o sabor do presunto e as patas de galinha.

NFS Nuno Ferreira Santos - 13 Agosto 2024 -  Chef Carlos Teixeira da Herdade do Esporao para o trabalho Receitas da Avó
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Chef Carlos Teixeira da Herdade do Esporão, no Alentejo Nuno Ferreira Santos
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O que aprendeu no estrangeiro permitiu a Carlos Teixeira conquistar uma estrela verde pela Michelin Nuno Ferreira Santos
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A avó Zulmira sempre foi uma mulher rija. “Tinha cinco filhos, o meu avô faleceu e ela ficou sozinha a cuidar deles. Nunca aprendeu a ler, mas sempre teve uma força, uma garra”, conta Carlos Teixeira, que hoje, aos 32 anos, é chef do restaurante da Herdade do Esporão, no Alentejo, para o qual já conquistou uma estrela Michelin e uma estrela Michelin Verde.

Zulmira teve sempre a sua horta, de onde tira produtos que usa na cozinha, e as suas galinhas. “E aos oitenta e tal anos continua a fazer a canjinha dela”, uma canja “muito simples”, mas cujo sabor Carlos associa à infância, aos dias passados com esta avó materna na casa do Cacém ou na aldeia, na Sertã, sobretudo até aos oito anos, altura em que os pais se separaram. “Eu e o meu irmão éramos muito traquinas, fazíamos a cabeça da minha avó”, confessa. As férias de Verão “na terrinha”, por exemplo, não ficavam completas sem irem “apanhar amoras, fazer tartes, e andar de Moto4”.

Mas se os netos não paravam quietos, a avó Zulmira também não. “Lembro-me de irmos com ela à feira vender cuecas. Nós íamos na parte de trás de uma carripana-triciclo, no meio das cuecas do Dragon Ball” e ela à frente, a guiar. Tomava conta deles muitas vezes, mas não eram os únicos. “Criou o meu primo mais velho, e até de miúdos que eram só de amigos, ela cuidava. Tenho muito carinho e muito orgulho nela. É uma pessoa muito simples, com um coração enorme.”

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Carlos Teixeira tem as melhoras memórias dos Verões passados com a avó Nuno Ferreira Santos

E se havia prato que não podia faltar — e não era só quando estavam doentes — era a canja, que Zulmira faz na panela de pressão, “sempre com a mesma massinha, um bocadinho de presunto, um caldo delicioso feito com a gordura das galinhas”.

Carlos também faz canja, mas é à sua maneira e não consegue que fique igual à dela. A sorte é que Zulmira, incansável, nunca deixa de a preparar, se sabe que o neto a vai visitar. “Continuo a ir almoçar a casa dela, no Cacém, e se é ela que vem a minha casa, traz a canja no tupperware”, conta.

Quando os pais se separaram, Carlos e o irmão ficaram a viver com o pai. “Nenhum de nós sabia cozinhar, mas fui eu, dos três, o que mais se pôs a cozinhar em casa”, conta. Chegado ao 9.º ano, tomou a decisão: entre o hóquei em patins e a cozinha, escolheu a segunda e seguiu para a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. Depois de passagens por vários restaurantes e de um ano de trabalho em Londres, em 2015 entrou para o Esporão, primeiro como sous-chef e desde 2018 como chef.

É difícil saber exactamente qual a influência que as memórias destes sabores de infância têm no trabalho do chef, mas o entusiasmo por plantar, semear e colher é certamente algo que Carlos herdou da avó, que continua a dar-lhe sementes para ele experimentar na horta, que, entretanto, criou na sua casa de Reguengos de Monsaraz e onde os filhos, de 2 e 5 anos, já o ajudam.

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Os temperos e os sabores fazem parte da cozinha que conquistou a Michelin Nuno Ferreira Santos

E são também os produtos da horta biológica do Esporão que trabalha nos pratos que serve no restaurante, destacado pela Michelin como exemplo de sustentabilidade (daí a estrela Verde) — Carlos passou, em 2019, pelo restaurante finlandês Nolla, que é uma referência em zero waste, e em 2020 pelo Blue Hill em Stone Barns, o restaurante farm to table do norte-americano Dan Barber, e isso consolidou a sua experiência neste tipo de práticas.

E se da canja da avó Zulmira alguma coisa passou para o restaurante foi, recorda Carlos, um snack que uma vez criou com patas de galinha. Ainda não tínhamos falado disso, mas as patas são um dos elementos obrigatórios da canja, e Carlos lembra-se de ver sempre a avó a comê-las, deliciada.

No Esporão deu-se a um trabalho considerável para as servir: cozidas numa salmoura durante a noite, no dia seguinte, são abertas para os ossinhos serem retirados com uma pinça. De seguida, levam-se ao forno para desidratarem e o resultado é uma espécie de torresmo de pele de galinha, servido com um molho holandês com orégãos e agrião. Só depois de as apresentar assim é que descobriu que “no Alentejo, o pessoal grelha-as na brasa”.

Mas, por muito que invente ou reinvente, a memória mais querida continuará a ser sempre a das patas de galinha da canja da avó Zulmira.

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