Videocast: encontro de almas regado a fado, serestas e muita música brasileira

Nani Medeiros, cantora, e João Pita, violonista, são os primeiros convidados do videocast e podcast do PÚBLICO Brasil.​

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Pode ouvir o podcast aqui.


A gaúcha Nani Medeiros cresceu em uma família musical. Caçula de quatro filhos, ouvia em casa os mais variados ritmos: rock, música clássica, trilhas sonoras de filmes e muita música brasileira. Junto aos irmãos, que também tocavam, a menina via aquele mundo como uma grande brincadeira. Não tinha a menor noção de que todos aqueles sons a levariam a ser uma profissional da música, mesmo a família percebendo um talento natural. Foi, no entanto, o convite de uma amiga para participar de um festival de música na Aliança Francesa de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que todo o talento de Nani aflorou. Ela mesma se surpreendeu com seu potencial.

Milhares de quilômetros de distância, na cidade de São Paulo, o pequeno João Pita vivia experiência familiar parecida com a de Nani. Aos seis anos, já ouvia Chico Buarque, assistia a shows e frequentava rodas de samba. Sua sensibilidade musical fez com que um tio, irmão da mãe dele, o convidasse para juntos fazerem aulas de violão. O tio logo deixou o curso, mas João não parou mais. Aos 15 anos, já tocava profissionalmente. Com mais três amigos, integrou o grupo de choro Regional Imperial, com o qual se apresentou pelo Brasil e gravou discos.

O destino dos jovens estava traçado por meio da música. João foi convidado para participar do festival na Casa do Choro, no Rio de Janeiro, que comemorava o aniversário de Pixinguinha. Era abril de 2015. No encontro de chorões de todo o Brasil, como o violonista descreve, ele conheceu músicos de Porto Alegre, que o convidaram para se apresentar na capital gaúcha com solistas de lá. Dois cantores haviam sido convidados para o mesmo evento: Gabriel Maciel e Nani Medeiros.

Em outubro daquele mesmo ano, se dá o primeiro encontro entre os dois artistas. João foi surpreendido por aquela jovem que soltou a voz cantando um dos clássicos de Lupicínio Rodrigues, “Nunca”. A partir dali, as vidas dos dois se entrelaçaram de vez. “Não paramos mais de conversar. Falamos dos mais variados temas, de música a religião. Foi mesmo um encontro, eu me encantei e me apaixonei” revela Nani.

Os dois não tinham noção de como seria aquela relação à distância. Naquela época, ela trabalhava em uma rede de tevê em Porto Alegre e João tinha o dia a dia dele em São Paulo. Aos poucos, no entanto, a vida foi fazendo o trabalho de aproximá-los. O violonista passou a ser requisitado com frequência para apresentações na capital gaúcha. Era o que ele mais queria. “Nossa aproximação se deu de forma natural. Quando me mudei para Porto Alegre, nem avisei meus pais. Não sabemos dizer em que data isso ocorreu, ficou uma peça de roupa, a escova de dentes e lá se vão oito anos juntos”, lembra João.

A parceria musical também veio naturalmente. Após o show de 2015, Nani teve um problema no programa de tevê em que também cantava. Um dos músicos não podia se apresentar. Por sorte, João estava na cidade. Acionado, ele substituiu o colega. Foi o que faltava para selarem a relação. “Eu nunca tinha me relacionado com um músico e ter sempre um violão em casa para tocar as músicas que se gosta, confesso que é muito bom”, diz Nani.

O canal de televisão que Nani trabalhava era uma experiência com data para encerrar e, quando esse ciclo se fechou, logo começaram os planos dos dois para viajar juntos e ouvir muita música. “João escutava fado, eu já conhecia esse ritmo, mas ele me apresentou o fado contemporâneo, com Carminho e Ana Moura. Ele trabalhava com algumas casas de fado, principalmente em São Paulo, onde há uma grande comunidade portuguesa, como no Rio”, lembra a cantora.

Nesse mesmo tempo, Nani recebeu um convite de um amigo gaúcho que morava em Goiânia. Ele disse que abriria um bistrô português em parceria com os pais e gostaria que ela fosse cantar lá. A jovem respondeu que não cantava fado, e questionou de onde ele tinha tirado aquilo. O amigo respondeu que havia visto vídeos dela nas redes sociais. Num show que Nani tinha feito com João, uma portuguesa gravou ela cantando um fado e postou nas redes. Os dois concordaram em se apresentar no bristô.

Saudades e lágrimas

O pai de João Pita é português, da Ilha da Madeira, o violonista lembra que, quando criança, sempre aos domingos, os avós e os tios paternos se sentavam para ouvir Amália Rodrigues. No dia a dia, os avós, Miguel e Inez, não ouviam muita música, mas, aos domingos era o momento da saudade, o que gerava muita emoção naquela família de imigrantes.

“Todos choravam, soluçavam. E eu, muito criança, ficava muito impactado por aquela sonoridade. A minha mãe achava que eu tinha um certo problema, porque eu gostava de música em tom menor, de coisas dramáticas, tristes”, ressalta o músico. Nani completa dizendo que também sempre gostou desse tipo de música. Ao longo dos anos, o casal bebeu do fado, do samba canção, das serestas, de Lupicínio, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Roberto Silva.

Na primeira vez em que estiveram em Portugal, em 2017, Nani e João perceberam que o repertório deles agradava ao público local. Quando se apresentavam em casas de fado, recebiam pedidos para cantar música brasileira, de Cartola, Nelson Cavaquinho, entre outros. Foi uma experiência marcante. Tanto que, quanto retornaram para o Brasil, trataram de preparar a mudança para o outro lado do Atlântico. Era questão de tempo.

A vida em Portugal, contudo, significaria um recomeço na carreira dos dois artistas. Mas, antes de partirem do Brasil, contactaram produtores e músicos que haviam conhecido na passagem anterior pelo país. “Chegamos em 2019, e, no aeroporto de Lisboa, larguei as malas e fui fazer a passagem de som para me apresentar em um dos palcos do Super Bock Stock”, relembra Nani.

Em terras portuguesas, não escondem a satisfação com as conquistas, pois encontraram o habitat ideal para o estilo de música que tanto apreciam. Além de trabalharem juntos em shows e gravações — vão lançar um novo disco em breve —, eles atuam paralelamente em diversos projetos musicais e se sentem muito bem acolhidos. Não sabem se foi sorte, mas, com certeza, têm a certeza de que vivem um lindo encontro musical de almas.