Partidos políticos guineenses assinam declaração conjunta para isolar Sissoco Embaló
“Antes que seja tarde” demais para os guineenses, quatro formações políticas que representam mais de 95% do eleitorado reuniram-se em Lisboa para exigir ao Presidente respeito pela Constituição.
Não foi por medo ou tomada de posição, mas por coincidência de agenda, que os líderes dos maiores partidos da Guiné-Bissau se juntaram numa cimeira em Lisboa para acertar uma “declaração política conjunta” com a intenção de travar a deriva autoritária do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, e exigir o respeito pela Constituição do país.
“Antes que seja tarde” demais para os guineenses, como afirmou Domingos Simões Pereira, o líder do PAIGC e da Coligação PAI-Terra Ranka, que venceu as eleições legislativas do ano passado com maioria absoluta, numa conferência de imprensa na capital portuguesa. A seu lado, o líder da APU-PDGB, o ex-primeiro-ministro Nuno Nabiam, o líder do PRS, Fernando Dias da Costa, e só não estava o líder do Madem-G15, porque Braima Camará teve de antecipar o seu regresso a Bissau, depois de uma ala do seu partido, em conluio com o Presidente da República, ter marcado um congresso extraordinário, à revelia dos estatutos, para o próximo sábado.
“Antes que seja tarde. Tarde para nós todos, guineenses, se não acautelarmos e se não nos mobilizarmos para pormos fim hoje [à actuação do Presidente à margem da Constituição], amanhã pode ser tarde para nós todos. Precisamos de paz, precisamos de estabilidade, precisamos de respeitar a ordem democrática e precisamos que o jogo seja feito cumprindo com aquilo que são as normas estabelecidas”, explicou o presidente do Parlamento que Embaló dissolveu à margem da Constituição.
A declaração de Lisboa, lida pela antiga ministra da Justiça Ruth Monteiro, foi assinada por Simões Pereira e por Nabiam, o primeiro representando a coligação Plataforma de Aliança Inclusiva – Terra Ranka e o segundo em nome do Fórum para a Salvação da Democracia, constituído pela Aliança Kumba Lanta (APU-PDGB e PRS) e o Madem-G15. Ao todo, estas formações políticas elegeram 96 dos 102 deputados nas legislativas de Junho de 2023.
Perante “um quadro bastante sombrio e de perigo iminente, tanto para a paz interna, como para o normal funcionamento das instituições e a promoção da democracia”, os líderes signatários da declaração querem com este documento “exortar” Embaló a actuar dentro dos limites constitucionais e “a abster-se de todos os actos de ingerência na vida interna dos partidos políticos”.
Desde que assumiu o poder, o Presidente conseguiu forçar uma cisão no PRS, onde o gestor portuário Félix Nandunge foi escolhido para ser o “outro” presidente do partido, e está a fazer agora o mesmo no Madem-G15, promovendo uma divisão no partido que começou com uma cisão, do PAIGC, fomentada pelo antecessor de Embaló, José Mário Vaz.
Com uma ordem judicial fragilizada, perseguida e instrumentalizada pelo chefe de Estado (o Supremo Tribunal foi “assaltado” e está “fortemente condicionado na sua capacidade de julgar e deliberar em função das leis, da Constituição e da consciência soberana dos juízes”), empenhado numa “estratégia de destruir os pilares essenciais do edifício democrático na Guiné-Bissau”, procurando “diminuir” ou até “extinguir” os partidos – pelo menos aqueles que não acatem as suas decisões –, os líderes partidários guineenses temem pela Guiné-Bissau que emergirá se Embaló não for travado.
“O que o Presidente está a fazer agora é criar métodos de intimidação dos líderes políticos”, mas “isso não vai funcionar”, ressalvou Nuno Nabiam. Na “política também há riscos e, nós, como políticos, temos que assumir este risco. Não podemos é ver o nosso país colapsar e ficarmos calados a ver Sissoco Emabló a fazer e a desfazer a Guiné-Bissau. Vamos assumir as nossas responsabilidades.”
Para Nabiam, que foi conselheiro do Presidente e seu primeiro-ministro e hoje cortou com ele, é preciso “sair à rua e exigir o fim da ditadura de Sissoco Embaló”, mas sempre garantindo o respeito pela Constituição e as leis do país. Algo que ficou bem sublinhado na declaração conjunta e na conferência de imprensa: “Há mecanismos políticos que estão à nossa disposição e temos que utilizar esses mecanismos.”
“Os nossos métodos serão sempre democráticos”, garantiu Domingos Simões Pereira, por isso, disse, estão os partidos políticos a assinar esta declaração, para lá das suas divergências políticas, para “alertar a sociedade para a necessidade de evitar extremos”. Quando “o povo se sente desrespeitado, se sente desatendido, cria-se potencialmente uma situação de anarquia”, com esta declaração, os líderes partidários pretendem demonstrar que o consenso é possível, mesmo entre adversários políticos, e que o “elemento perturbador do processo democrático” é o Presidente da República, ao insistir “em não respeitar as regras do jogo democrático”.