ONG guineense quer apresentar queixa em tribunal europeu contra o regime da Guiné-Bissau
Liga Guineense dos Direitos Humanos denunciou à procuradoria o ministro do Interior e o secretário de Estado da Ordem Pública por tortura. “Estes crimes não podem ficar impunes”, diz o seu presidente.
A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) recusa-se a ficar de braços cruzados enquanto o Presidente Umaro Sissoco Embaló toma de assalto a Guiné-Bissau. “Não aceitamos a destruição da democracia guineense”, diz ao PÚBLICO o seu presidente, Bubacar Turé, um dia depois de a organização da sociedade civil ter apresentado uma denúncia contra o Estado da Guiné-Bissau, o ministro do Interior, Botche Candé e o secretário de Estado da Ordem Pública, José Carlos Monteiro Macedo, pelos crimes de desobediência, sequestro e de responsabilidade por um titular de cargo público.
“Nós denunciamos o ministro do Interior e o secretário de Estado pela prática de vários crimes, entre os quais a suspensão ilícita de direitos, liberdades e garantias”, explica Turé. “A lei dos titulares dos cargos públicos diz claramente que quem suspender, à margem dos pressupostos legais, os direitos, liberdades e garantias, é punido até oito anos de prisão.”
A denúncia prende-se com a manifestação pacífica convocada pela Frente Popular para o dia 18 de Maio, proibida arbitrariamente pelo ministro do Interior e que acabou com a prisão de 93 pessoas que exerciam o seu direito à manifestação consagrado na Constituição, tendo nove delas passado dez dias detidos até serem mandadas libertar pelo Tribunal Regional de Bissau – uma ordem judicial que o Ministério do Interior ignorou por alguns dias, mantendo os activistas na prisão.
Sabendo de antemão que será muito difícil que a denúncia acabe mesmo em processo contra o Estado e os membros do Governo – “apesar de sabermos que este Ministério Público está alinhado com o regime, acreditamos que o bom senso vai prevalecer” –, o presidente da LGDH sublinha que a organização tem dois objectivos com esta acção judicial.
O primeiro é “obrigar o MP a cumprir a sua missão constitucional e a deixar de ser uma marioneta de perseguição do regime através de processos que organiza de forma selectiva”. O segundo objectivo é o de que os crimes cometidos não podem ficar sem punição.
“Nós não aceitamos a destruição da democracia e do Estado de direito, que eles estão empenhados em fazer neste momento”, sublinha o jurista. “Não seremos cúmplices nesses comportamentos ilegais e constitucionais.”
A denúncia ao procurador-geral da República, entregue na terça-feira no Tribunal da Relação em Bissau, “é o primeiro passo” da luta judicial que a Liga pretende fazer contra o regime de Umaro Sissoco Embaló. Neste momento, em conjunto com uma equipa de advogados franceses, a organização está a analisar a possibilidade de apresentar queixa num tribunal de um país europeu com competências universais para crimes de violação dos direitos humanos, nomeado pelo uso de tortura, denunciado por alguns dos 93 detidos.
Duas reuniões foram realizadas, outra mais está agendada para esta semana. Falta escolher o país onde o caso tenha mais probabilidade de sucesso: França, Espanha, Suíça, Bélgica e Alemanha estão a ser ponderados.
Bubacar Turé lembra como o ex-ministro do Interior da Gâmbia, Ousman Sonko, foi condenado, a 15 de Maio, por um tribunal suíço. Considerado culpado de crimes contra a humanidade, incluindo a tortura de dois jornalistas, durante o regime do antigo Presidente Yaya Jameh, recebeu uma sentença de 20 anos de prisão.
Questionado sobre se pretende incluir na queixa internacional o nome do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, o líder da LGDH diz que a denúncia será contra “todos os responsáveis ao mais alto nível deste regime, que são responsáveis por omissão ou por acção prática de crimes contra o cidadão”.
A Liga e o seu presidente, bem como os advogados que assinam a denúncia de seis páginas, Luís Vaz Martins e Ussumane Sanhá, estão todos cientes dos riscos que correm ao visar desta maneira as mais altas figuras do Estado guineense. Riscos que aceitam e não tolhem os seus movimentos: “Naturalmente que poderá haver retaliações de pessoas afectas na origem, este é um regime que não tem respeito pela lei e pelos direitos e liberdades fundamentais das pessoas. Temos consciência desses riscos, mas também estamos disponíveis a pagar algum preço no exercício dos nossos direitos.”
Para Bubacar Turé, a organização a que preside tem “responsabilidade na promoção e protecção dos direitos humanos” e, por isso, independentemente dos perigos para a “integridade física” dos seus membros, está disposta a “utilizar todos os mecanismos disponíveis” para se fazer justiça.
O PÚBLICO tentou obter uma reacção do ministro do Interior guineense, Botche Candé, mas a mensagem enviada para o seu telefone a solicitar uma conversa não obteve qualquer resposta.