Ren Faire: as loucuras do Rei George
Há uma crise de sucessão na maior feira do renascimento americana. George Coulam, o fundador de 86 anos, quer reformar-se. Esta minissérie documental de Lance Oppenheim para a HBO filma tudo isso.
Traições e gente a ser apunhalada nas costas por causa de uma luta pelo poder e o domínio de um vasto império. Quem é que vai ficar com tudo quando o rei se retirar? É esta a premissa de Ren Faire, uma minissérie documental de Lance Oppenheim para a HBO cujos três episódios saíram em Junho. Tem produção executiva dos irmãos Safdie e Ronald Bronstein, com a chancela da sua Elara Pictures. Tudo se passa não numa empresa normal, mas numa feira do renascimento, uma feira ao ar livre em que se reconstitui a época renascentista. Mais propriamente, no Texas Renaissance Festival (TRF), a maior do género nos Estados Unidos. É capaz de ser o melhor objecto audiovisual no meio de feiras do renascimento desde Os Cavaleiros da Lenda, o filme (que não é de terror) de George A. Romero de 1981.
George Coulam fundou este certame em Todd Mission, no Texas, em 1974. Agora com 86 anos, quer retirar-se, prevendo que irá morrer aos 95 anos. Para quê? Para passar os próximos nove anos que terá de vida a ir atrás de mulheres e para fazer arte no seu jardim. Pelo menos, é isso que nos diz no primeiro episódio. A realidade talvez seja mais complicada. Sobre a primeira parte do que quer fazer quando entregar a coroa – ele refere-se a ele próprio como rei –, vemo-lo em encontros inconvenientes em restaurantes de fast food com mulheres (muito) mais novas. Ele está, aliás, inscrito em vários sites para sugar daddies, homens mais velhos com dinheiro que querem a companhia de mulheres, neste caso entre os 30 e os 50 anos. Não é ele que os gere: tem um assistente para lhe mexer no computador.
A competir pelo seu trono estão Jeffrey Baldwin, o director-geral que está na feira há mais de 40 anos; Louie Migliaccio, que vende pipoca doce na feira, bebe bebidas energéticas como se não houvesse amanhã e quer, com a ajuda da família, comprar a operação; e, só aparecendo no segundo episódio, Darla Smith, que é uma novata no TRF, mas tem experiência neste universo e também a treinar elefantes.
São estas personagens coloridas que nos vão sendo mostradas, protagonistas de um negócio que movimenta milhões de dólares todos os anos e que Oppenheim filmou ao longo de mais de três anos nesta série que co-criou com a ajuda do jornalista David Gauvey Herbert. Começou, diz em entrevistas, por encarar o projecto como uma comédia, mas acabou por ver tudo como uma tragédia. Isto graças às acções e comportamentos de Coulam, uma pessoa tão desbocada que leva a que seja fácil apontar-lhe uma câmara e pô-lo a falar para encontrar algo de bizarro, único e hilariante. É, também, alguém capaz de ser manipulador e tratar mal quem o rodeia.
Ao Vulture, site da revista New York, o realizador afirmou que se foi, à medida que a rodagem foi avançando, interessando cada vez menos pela questão da sucessão, e mais por este "homem de idade avançada que continua a agarrar-se desesperadamente ao poder que tem no sistema, o feudo, que ele criou". "É o retrato de um império americano em declínio, em miniatura", continua. "Há este ciclo que George inflige nos outros, e acho que há muitos Georges diferentes na nossa sociedade que infligem esse tipo de dor em muitas outras pessoas", conclui. Esse texto tinha como título: "E se A Guerra dos Tronos e Succession tivessem um bebé documental?", que é uma descrição perfeita do que se passa ao longo destes três episódios de quase uma hora.