Em Deadpool & Wolverine, diz-se “fuck” mais de 100 vezes. Ainda é um palavrão?

Com o aumento do seu uso, a palavra sofreu o que os especialistas em linguagem chamam “mudança semântica”, desvalorizando o significado obsceno.

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Deadpool & Wolverine rendeu 211 milhões de dólares (192 milhões de euros) nas bilheteiras dos EUA e do Canadá REUTERS/Maja Smiejkowska
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O filme da Marvel Deadpool & Wolverine apresenta a palavra “fuck” (em português, “foda-se”) mais de 100 vezes. Taylor Swift canta-a 18 vezes numa só canção do álbum de sucesso The Tortured Poets Department e muitas outras estrelas pop pronunciam-na sem pudores.

Outrora vista como o palavrão mais chocante da língua inglesa, a f-word tornou-se um lugar-comum na cultura pop. Com o aumento do seu uso, sofreu o que os especialistas em linguagem chamam “mudança semântica”, ou uma alteração de significado ao longo do tempo, explica Roy Peter Clark, professor de escrita e autor de vários livros sobre escrita.

O especialista usa como exemplo uma cena em My Lady Jane, uma série de época disponível na Amazon Prime, em Portugal. Uma personagem que aparenta ter cerca de dez anos usa a palavra quando a sua irmã mais velha está prestes a ser decapitada por ordem da Rainha Maria. “Fuck Mary”, diz a rapariga.

Colocar esta palavra na boca de um actor infantil, opina Clark, mostra como que se tornou menos tabu ao longo do tempo. “É utilizada de muitas formas diferentes, algumas claramente muito negativas, outras humorísticas, outras maliciosas e outras enfáticas”, detalha o académico do Poynter Institute, uma organização sem fins lucrativos dedicada aos meios de comunicação social. “Tornou-se menos negativa.”

Um estudo britânico publicado em 2021 descobriu que “fuck” era o palavrão mais usado e era particularmente popular entre adolescentes e jovens adultos. Um estudo de 2023 publicado no Journal of Pragmatics procurou entender como o seu uso havia evoluído.

Comparando conversas entre adolescentes britânicos nas décadas de 1990 e 2010, os investigadores Robbie Love e Anna-Brita Stenstrom encontraram menor uso desta palavra como insulto ou como termo para se referirem a relações sexuais. Tinha mais probabilidades de aparecer em frases como “mas que raio?” e “por amor de Deus”, mesmo em conversas amigáveis de adolescentes.

Karen North, psicóloga e professora de Comunicação Social Digital na Escola Annenberg da University of Southern California, concorda que a habituação terá tornado a palavra menos chocante. “Qualquer coisa que experimentamos vezes sem conta, ficamos dessensibilizados”, defende. E compara: “Se estivermos numa sala que cheira muito mal, passados alguns minutos já não sentimos o cheiro.”

Com a linguagem, afiança a professora, “se continuarmos a ouvir um palavrão ou qualquer coisa insultuosa ou que cause comoção vezes sem conta, começamos a dessensibilizar-nos porque os nossos sentidos se habituam a ela”.

Muitas pessoas ainda a consideram altamente ofensiva. O uso é frequentemente citado por políticos para proibir livros como À Espera no Centeio, romance de 1951 de J.D. Salinger, em escolas e bibliotecas.

Na Disney, depois de verem a linguagem obscena no novo filme Deadpool, os executivos não se escandalizaram e apoiaram a decisão, confirmou Kevin Feige, presidente da Marvel Studios. O humor atrevido foi a chave para o sucesso dos dois filmes anteriores de Deadpool feitos pela Fox, defendem.

Quando a Disney comprou a personagem Deadpool como parte de um acordo com a Fox, os realizadores da Marvel decidiram “manter-se fiéis ao espírito” dos filmes, lembra Feige.

Deadpool & Wolverine foi classificado como R nos EUA e 15 no Reino Unido, um sinal para os pais de que não se destina a crianças pequenas. Em Portugal é para maiores de 12 anos.

Os públicos acolheram o filme, que teve o maior fim-de-semana de estreia do ano, com 211 milhões de dólares (192 milhões de euros) nas bilheteiras dos EUA e do Canadá. As vendas globais totais atingiram um valor estimado de 824 milhões de dólares (751 milhões de euros) até domingo.

Para o personagem Deadpool, o palavrão “faz sentido, e se não estivesse lá, não pareceria certo”, opina Gaige Johnson, de 22 anos, fã da Marvel, do Michigan. Outra fã, Diana Alvort, do México, riu-se quando lhe perguntaram se havia demasiados palavrões no filme. “Que se lixe”, respondeu. “Vá lá, é um filme divertido. Não devemos ser tão sérios. Há momentos para tudo e por isso não tenho problemas com isso. Aproveitem o filme.”