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Afonso Sereno fez do Egipto o seu laboratório fotográfico
Em 2019, Afonso Sereno visitou o Egipto na companhia do pai e fotografou. Em 2023, regressou e disparou novamente. To Turn an Hourglass Opaque estabelece um diálogo temporal entre fotogramas.
Em 2019, durante 20 dias, Afonso Sereno visitou o Egipto na companhia do pai. “Há tanto para ver no Egipto”, conta o fotógrafo portuense com alma de viajante, em entrevista ao P3. “Da forma menos turística possível, tentámos criar um roteiro que incluísse um pouco de aventura. Navegámos o Nilo de norte a sul, fomos ao deserto, vimos alguns templos. Gostei e fiz algumas fotografias.”
Mas, quando regressou, Afonso não sentiu existir ainda um corpo de trabalho propriamente dito, avalia. Esse ganhou forma apenas durante e após a segunda viagem rumo ao mesmo destino. Em 2023, sozinho e com mais tempo para explorar o território e estabelecer conexões, revisitou alguns dos locais e percorreu novas rotas. “A segunda viagem transformou o Egipto numa espécie de ateliê ou laboratório que utilizei para o desenvolvimento da minha perspectiva fotográfica ao longo do tempo”, conta.
As imagens que compõem o projecto To Turn an Hourglass Opaque, que mereceu Menção Honrosa na última edição do Prémio Novos Talentos FNAC, navegam entre as linguagens de autor, documental e da fotografia de rua, e debruçam-se sobre o tema da passagem do tempo. Uma das suas marcas distintivas do projecto é a justaposição de vários fotogramas realizados no mesmo espaço físico, mas em momentos diferentes, numa só composição fotográfica. São muitos os exemplos deste tipo de imagem no conjunto – alguns deles implicam a sequenciação de fotografias tiradas em 2019 e 2023 nos mesmos locais.
O fotógrafo, ex-aluno do Instituto Português de Fotografia e do curso de Som e Imagem da Universidade Católica, alude à expressão “desfragmentação” para descrever essa opção estética e conceptual. “Tenho as minhas referências”, observa. “Adoro a obra de Elliott Erwitt Sequentially Yours, que é um clássico da fotografia. Acho magnífico como ele fotografou esse projecto, como criava as suas sequências. Talvez venha daí a minha vontade de ‘desfragmentar’, de seguir pessoas e criar essas sequências de movimento, ou de ‘cortar’ um corpo em três partes para fazer um retrato, ou de fotografar um prédio em oito fotogramas em vez de apenas um.” O famoso “instante decisivo” de Cartier-Bresson é, neste projecto, descartado ou multiplicado, dependendo da perspectiva.
“Interesso-me pela forma como o tempo influencia a minha perspectiva artística, os meus objectivos, as minhas ideias”, explica. “É sobre isso que gosto de trabalhar.” No terreno, Sereno segue o seu instinto, desprendido de uma linha narrativa explícita ou de uma tese que ultrapasse o jogo estético que ostenta. “Gosto de fotografar aquilo que me chama a atenção, seja pela luz, pela sombra, por haver algo específico no enquadramento que me agrade”, explica. Dá por si, inúmeras vezes, à espera da luz certa para o disparo; ou a reenquadrar exaustivamente até chegar ao resultado que o satisfaz.
Sereno deixa sempre que as imagens “descansem” antes de olhar de novo para elas, fazendo um hiato entre o regresso de viagem e o processo de edição e pós-produção. Espera, num futuro próximo, materializar o projecto em formato livro – não antes de 2025, sinaliza. “Procuro apoios.” Publicou, no passado, de forma independente e em dois volumes, os livros Travel Diaries, que mereceram exposição, em 2019, no festival Encontros da Imagem, em Braga.
Deseja regressar ao Egipto, a médio ou longo prazo, para poder auscultar as mudanças na sua linguagem enquanto fotógrafo. Mas não tenciona parar. Mantém projectos paralelos, nas áreas da fotografia e do vídeo, em vários pontos do mundo. Ainda durante o presente ano de 2024 irá revisitar a Guatemala, onde reencontrará uma família que conheceu há cerca de dez anos, quando tinha apenas 18, altura em que deu os seus primeiros passos na fotografia.