Os atletas da Palestina vieram aos Jogos pela diplomacia

Layla Almasri é uma de oito atletas a representar a causa palestiniana nos Jogos Olímpicos.

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Layla Almasri, atleta da Palestina Phil Noble / REUTERS
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A Palestina não é um membro de pleno direito das Nações Unidas, mas é reconhecido como tal pelo Comité Olímpico Internacional (COI). Desde Atlanta 1996 até Paris 2024, a Palestina já teve 35 atletas a competir em oito edições dos Jogos.

O primeiro de todos, um fundista chamado Majed Abu Maraheel, foi o primeiro a levar a bandeira da Palestina numa cerimónia de abertura, antes de participar nas eliminatórias dos 10 mil metros e ficar em último, com o pior tempo. Ainda jogou futebol, fez parte da guarda pessoal de Yasser Arafat e tornou-se treinador de atletismo. Em Junho passado morreu, com insuficiência renal, num campo de refugiados na Faixa de Gaza, sem qualquer possibilidade de tratamento.

Há 28 anos, Maraeheel foi o primeiro palestiniano nos Jogos. Em Paris, Layla Almasri foi a 33.ª, inscrita para competir nas eliminatórias dos 800m femininos no atletismo olímpico. Naquela manhã, no Stade de France, a partir da pista um, com vista para o marcador que mostra o recorde mundial de Jarmila Kratochvilova (1m53,28m, o mais antigo do atletismo feminino), Almasri lança-se na sua corrida que será a dois durante volta e meia, a par de Amal Al Roumi, do Kuwait, mas que será solitária nos últimos 200m. Esta não é a sua especialidade e não corria a distância há dois anos, mas estabelece um novo recorde da Palestina, 2m12,21s.

Layla Almasri sabe o que vale e não tem ilusões quanto ao seu valor nesta prova - e irá ficar pela mesma posição na corrida de repescagem. Mas também sabe que a sua responsabilidade nestes Jogos vai para lá do que dar duas voltas à pista. É uma atleta, mas também tem de ser diplomata pela bandeira que tem no peito e tatuada num dos tornozelos.

“É um desafio. Somos diplomatas e atletas. Sendo atletas, esta é uma plataforma única para falarmos sobre o que esta a passar”, diz Layla Almasri, uma norte-americana nascida no Colorado que corre pela terra dos seus pais.

Almasri é uma de oito atletas da Palestina nos Jogos de Paris. Dois deles nasceram na Cisjordânia, os restantes vêm da diáspora – Almasri e a nadadora Valerie Tarazi nasceram nos EUA, Omar Ismail, do taekwondo (que ainda não competiu), nasceu nos Emirados, o nadador Yazan Al Bawwab nasceu na Arábia Saudita, o judoca Fares Badawi nasceu na Síria e vive na Alemanha, o atirador Jorge Salhe é do Chile. O meio-fundista Mohamed Dwedar nasceu em Jericó, o pugilista Wasim Abusal é de Ramallah.

Não há atletas de Gaza nesta comitiva. Em Tóquio havia um, o halterofilista Mohammed Hamada, que foi o porta-estandarte na cerimónia de abertura - foi 13.º na sua categoria (96kg). Durante a guerra, foi obrigado a carregar 500 litros de água todos os dias, perdeu peso, lesionou-se num joelho e já não conseguiu chegar a Paris. E Layla Almasri fala de Tamer Qaoud, um jovem corredor “com muito talento” que continua em Gaza a tentar sobreviver, e a ver os Jogos Olímpicos pela televisão, numa tenda de um campo de refugiados. “Neste conflito, só em atletas, perdemos mais de 300. Perdemos treinadores que eu conhecia, perdemos o primeiro atleta olímpico da Palestina [Maraheel]”, refere.

Pela voz de Layla Almasri, norte-americana de 25 anos, percebemos o que motiva estes oito atletas nos Jogos Olímpicos. Ela só esteve uma vez nas Cisjordânia, a visitar a cidade onde os pais nasceram (Nablus), mas convive com esta herança todos os dias.

“Vou a manifestações pró-Palestina desde os três anos. Desde que nasci, aprendi muitos dos nossos valores, os meus pais ensinaram-nos a amar o nosso país e sempre nos disseram o que se passa por lá. Acho que as pessoas só agora é que que estão a abrir os olhos”, conta a atleta, que corre pela Palestina desde 2023.

Em Paris, os oito atletas palestinianos não podem fugir aos microfones da imprensa internacional. Mas não querem fugir, aproximam-se. Sentem que têm de passar uma mensagem sobre o que está a acontecer em Gaza. “Isto acontece há mais de 75 anos e o mundo está a despertar para isto agora. Eu estou envolvida nesta causa desde sempre. Como palestinianos, merecemos ter direitos, liberdade de movimento e os outros países têm de parar de mandar armas para Israel, esta é a principal mensagem, o que queremos é paz.”

Sem segurança

Layla Almasri, atleta a nível escolar e universitário, foi desafiada pelo seu treinador a representar a Palestina a nível internacional. Começou a pensar nisso em 2019, amadureceu a ideia durante os tempos da covid-19 e tudo se compôs em Março de 2023, quando a World Athletics aprovou o seu pedido de mudança de nacionalidade desportiva. Já participou nos Jogos Asiáticos, nos Jogos Árabes, em corridas de pista e de corta-mato com a bandeira da Palestina. Agora, está nos Jogos Olímpicos, a absorver a experiência e a cumprir o seu papel.

“Na aldeia olímpica, todos nos receberam bem, estamos sempre a parar para tirar fotos e trocamos pins – já não temos nenhum. Tem sido uma experiência incrível”, diz a atleta, que garante não haver nenhuma segurança especial para a comitiva. E interacções com a equipa de Israel? “Já os vimos por aqui, mas estamos focados em nós.” Isto é o que acontece na bolha temporária de Paris e Layla Almasri sente-se afortunada por isto e pelo raio de sorte que lhe permitiu ter uma vida longe do conflito – foi a decisão do pai em mudar-se aos 18 anos para estudar nos EUA.

Mas o conflito persiste e entra pelos olhos do mundo todos os dias. E Layla Almasri, a atleta-diplomata que nasceu na América e que corre pela Palestina sente o coração a partir-se todos os dias. “É difícil ver mulheres com a cara da minha mãe, crianças que são iguais a mim. Sinto que tive um raio de sorte em poder viver onde não tenho de enfrentar isto todos os dias. Mas ver a minha cara na cara de uma rapariga [em Gaza] é difícil. É como estar a ver-me ao espelho.”

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