Imane Khelif grita nos Jogos de Paris para o mundo: “Sou uma mulher”

A pugilista argelina avança para as meias-finais nos Jogos Olímpicos de Paris e já garantiu uma medalha de bronze.

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Imane Khelif, pugilista argelina Peter Cziborra / REUTERS
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Combate 180 do programa olímpico de boxe. Já estamos perto das medalhas na categoria de 66kg no quadro feminino e esta é uma das histórias dos Jogos Olímpicos. Imane Khelif, da Argélia, defronta Anna Luca Hamori, da Hungria e o Arena Nord, nos arredores de Paris, está a abarrotar, de público e de jornalistas. A legitimidade de Khelif em estar aqui é discutida por muita gente, já que a argelina foi suspensa em 2023 por não cumprir com os critérios hormonais para competir em provas internacionais.

Em poucas palavras, a sua condição de mulher é questionada e há muita gente que tem uma opinião. Mas Imane Khelif, que não teve problema nenhum com isto há três anos, em Tóquio, gritou para o mundo (que estava a ouvir) depois de ganhar o combate da tarde com Hamori, uma vitória que lhe garantiu, no mínimo, uma medalha de bronze. Mas que ainda pode ser ouro – e em Roland Garros, que será o palco da final. Não prestou declarações prolongadas sobre o assunto e só parou em frente aos jornalistas para dizer uma única frase: “Sou uma mulher!”

Por volta das 17h30, já não há lugares sentados na arena, mas uma grande parte dos espectadores estão de pé. As centenas de bandeiras argelinas denunciam por quem vai torcer o público e o que se ouve quando as pugilistas entram na arena confirmam-no. Fora do ringue, Khelif vence por KO, no ringue vai vencer por decisão unânime dos júris. A sua adversária húngara deu mais luta que a italiana Angela Carini (que só aguentou 46 segundos, abandonando o combate com uma lesão do nariz) e conseguiu colocar alguns golpes, mas não o suficiente para contrariar os da argelina, mais potentes e difíceis de defender.

Assim que o combate 180 acabou, é anunciada a decisão dos júris, com o árbitro a levantar o braço de Khelif para assinalar a sua vitória, a argelina recolheu por momentos às cordas e deu a Hamori o seu momento de despedida. Depois, foi ela para o centro e fez uma rotação por todos os pontos cardeais, a agradecer a todos e a mostrar que está ali para ficar e que não se irá embora. Um gesto de desafio antes da descarga emocional e da declaração única de identidade, em árabe – e logo os jornalistas ocidentais procuraram ajuda para tradução com os seus colegas que falavam.

Enquanto Anna Luca Hamori falava, em húngaro, para umas quantas dezenas de jornalistas, provavelmente a comentar a decisão da federação do seu país em protestar a validade do combate, a demonstração de orgulho argelino continuava dentro e fora do pavilhão. Gritos de “Imane, Imane” ouviam-se desde o exterior, e, ainda dentro de portas, circulavam bandeiras do país.

Uma delas servia de pano de fundo para Hassiba Boulmerka, antiga fundista e secretária-geral do Comité Olímpico Argelino, falar sobre a injustiça com que tem sido tratada Imane Khelif. Primeiro em árabe, depois em francês, depois com tradução para inglês.

“Faltaram ao respeito à Imane. Foi uma injustiça e ninguém gosta de injustiças. Vamos saborear esta vitória e vamos continuar a combater”, frisou esta antiga especialista em 1500m que foi a primeira campeã olímpica da Argélia nos Jogos de Barcelona em 1992.

Colocada no meio de uma luta entre a Federação Internacional de Boxe (que é contra) e o Comité Olímpico Internacional (que é a favor) sobre a sua elegibilidade para estar em Paris, Imane Khelif só sabe uma coisa: que, na próxima terça-feira, volta àquela mesma arena para defrontar a tailandesa Janjaem Suwannapheng pelo direito de lutar por um título olímpico. Com a certeza total do que quer. E de quem é.

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