Evenepoel sai dos Jogos com a bicicleta numa mão e a outra cheia de ouro
Em Paris, deu para tudo. Atacar quando lhe apeteceu, ter um furo já perto da meta, começar aos gritos a pedir uma nova, acabar a prova e celebrar a pé, com a nova amiga na mão.
Mais 270 quilómetros depois da partida, numa prova absurdamente longa, Remco Evenepoel garantiu, neste sábado, que terá um lugar especial na galeria dos olímpicos imortais. Foi o primeiro ciclista a conquistar, nos mesmos Jogos Olímpicos, as duas corridas masculinas de estrada: contra-relógio e prova em linha.
Em Paris, deu para tudo. Rolar tranquilamente, atacar quando lhe apeteceu, ficar sozinho quando achou conveniente, ter um furo ao passar pelo Louvre, já perto da meta, começar aos gritos a pedir uma nova, montar-se nela, acabar a prova, pôr-se a pé e celebrar com ela na mão.
Quem vence assim tem de estar num nível vedado ao ciclista comum. Não que Remco ainda fosse comum, mas agora, depois de Paris, poucos ousarão apontar-lhe “mais parra do que uva”, como aconteceu durante alguns anos.
O restante pódio foi para os franceses Valentin Madouas e Christophe Laporte, num grande dia para França.
Os portugueses, por outro lado, não foram felizes, mas acabaram a prova: Nélson Oliveira no 33.º lugar e Rui Costa, que teve um furo, na 46.ª posição.
Algumas horas de nada
Nos Jogos, esta foi a corrida mais longa de sempre (273 quilómetros), com o pelotão mais curto de sempre. Foram apenas 90 ciclistas, sendo que cerca de 20 deles, ou mais, nunca iriam lutar pelo triunfo, por estarem ali através de quotas de representatividade.
Sobrava, portanto, um pelotão de qualquer coisa como 70 corredores. Se daí tirarmos os que não estivessem bem neste dia e os que trabalhariam pelos colegas, se calhar ficaria um pelotão de 40 para lutar pelo triunfo.
Tudo isto para explicar que foi uma corrida diferente do que se costuma ver. Além do pelotão muito curto, 35 dos 55 países só levaram um ciclista, algo que impediu as selecções mais fortes de controlarem a prova e de engendrarem vários planos de acção, com vários ciclistas de renome – e predicados diferentes.
Um atacaria aqui, outro acolá, um na fuga, um ataca na última subida, um fica guardado para um sprint... Há uns anos, dava para tudo. Agora, dá para muito pouco.
Em Paris, estavam 20 graus – nem calor, nem frio. E sem chuva. Perfeito para um bom dia de ciclismo, que começou com fuga de atletas africanos e asiáticos de países menos fortes – e seria sempre assim, já que numa corrida tão longa, e dura por esse motivo, teriam poucas hipóteses de se destacarem mais à frente. Era ali, no início da corrida, que estariam os minutos de televisão para aqueles ciclistas.
O pelotão, com um certo cinismo, deixou-os seguir com mais de 12 minutos de vantagem e acabou por ter a ajuda de um segundo lote de fugitivos para ir reduzindo a diferença assim que quis acabar com a aventura.
De Rui Costa, pouco a dizer. Seguia no pelotão, tranquilamente, mas quase sempre bem colocado, como é seu hábito – João Almeida, por exemplo, tem evoluído nesse domínio, mas ainda longe do nível do seu compatriota.
A corrida ficou, depois, mais aberta. A cerca de 70 quilómetros do final, nomes como Fred Wright, Michael Woods e Valentin Madouas começaram a mexer na corrida, com o pelotão a cerca de um minuto.
Furo para Rui Costa
Ao falhar a entrada neste grupo, equipas como a Bélgica estavam, no fundo, a garantir que iriam rebocar Mathieu van der Poel até ao circuito final, caso quisessem caçar os fugitivos e ainda lutar pela vitória com Evenepoel ou Wout van Aert. Foi arriscado.
E foi o que tiveram de fazer, até à hora de Mathieu van der Poel – e todos sabiam que essa hora chegaria. O neerlandês atacou e deixou toda a gente para trás, excepto Wout van Aert. Os dois do costume, até Julien Alaphilippe e Matteo Jorgenson se juntarem, levando o pelotão atrás.
Primeira tentativa de MVDP ficou a zeros. E quem estava a sentir-se irrequieto era Remco Evenepoel. Todos sabem que gosta de atacar à distância, mas começavam a faltar quilómetros de prova para isso. E ele lá foi, foi por volta da altura em que Rui Costa teve um furo, perdeu o contacto com o grupo principal e sabia que estava terminado ali o sonho de medalha.
Com um contra-relógio à Remco, o belga não só se juntou aos fugitivos rapidamente como os passou – levou apenas Madouas consigo, deixando os franceses em êxtase, porque não há melhor companhia do que Remco na hora de fugir aos demais em terreno plano.
É certo que não teve “combustível” para seguir a mota de Remco, mas manteve-se com ele tempo suficiente para ganhar uma vantagem que lhe permitisse ter a prata no bolso. Depois, chegou o também francês Christophe Laporte, num pódio bem saboroso para o público gaulês.