Pornografia, intimidade e prazer

Apaixonei-me pelo Ricardo porque comecei a vê-lo. Era um rapaz sincero, transparente, e a nossa sexualidade tornou-se aos poucos a coisa mais prazerosa que havia experienciado.

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Só voltei a deitar-me com um homem dois anos mais tarde. Tinha dezoito anos no Verão em que conheci o Ricardo, um moreno de cabelo escuro encaracolado, como os mouros nos livros de História do 9. º ano. Fazia parte de um grupo de amigos em comum. Não gostei logo dele. Estudava programação informática no Instituto Superior Técnico e falava sobre coisas que não me interessavam minimamente. Nem sei bem como, um dia fomos lanchar só os dois à esplanada de um parque e acabámos aos beijos na relva. Levei vários meses a ter curiosidade por ele.

A primeira vez que fomos para a cama foi um desastre pueril, próprio de miúdos inexperientes. Ele tinha pouca ou nenhuma prática, nunca cheguei a saber, e era desajeitado na forma como me tocava. Não sabia como fazê-lo. Demasiados nervos e sofreguidão, suponho. A primeira vez em que me deitei na cama dele, uma cama estreita de solteiro, e que me tentou tirar a roupa, pressenti que ia ser estranho. E foi.

Depois de me tirar as cuecas, umas cuecas simples de algodão preto, vi-lhe a erecção. Desviei os olhos por respeito e pudor. Quando se deitou sobre mim, a roçar-se no meu sexo, mesmo antes de me penetrar, o Ricardo explodiu num prazer atabalhoado. Depois sentou-se na beira da cama, frustrado. Sem saber o que fazer, senti que o meu sexo estava molhado de sémen, tive medo de engravidar. Voltei a vestir atabalhoadamente as cuecas e mantive-me quieta e calada.

Tínhamos comprado preservativos. Não tinha intenção de fazê-lo sem protecção. Pensei por momentos se a culpa tinha sido minha. Se teria feito algo para aquilo acontecer tão precocemente, mesmo antes de se colocar um preservativo, mesmo antes da penetração. Ocorreu-me também que podia ter acontecido a penetração e eu não ter sentido. Pensei que podia estar com algum problema de sensibilidade na vulva. Tudo pensamentos inarticulados e próprios de uma idade em que não se percebe nada de nada sobre sexo ou coisa alguma. Voltei a sentir o sexo molhado de sémen. Ali estava a prova de que apenas tinha morrido na praia do meu sexo.

O Ricardo quase chorou nessa tarde. Não conseguia esconder a vergonha, era notório o seu constrangimento. Fui-me embora da sua casa, um pequeno apartamento num bairro social violento e problemático. Ele ainda se ofereceu para me levar até à paragem de autocarro, mas eu preferi fazê-lo sozinha. Passaram-se vários dias até tentarmos novamente.

Senti que o Ricardo estava mais seguro nessa tarde. Foi carinhoso e delicado a tirar-me a roupa. Conseguiu penetrar-me com dificuldade, mas não se conteve mais de um minuto. Não foi bom. Não foi mau. Era apenas estranho. Demorámos semanas, meses, até conseguirmos ter sexo durante algum tempo.

Eu sentia que era desafiante, vê-lo a cada semana conseguir ficar mais tempo dentro de mim. Estávamos a aprender juntos a fazer sexo. Descobri nessa altura que o Ricardo gostava de pornografia. Eu só tinha visto um filme em VHS em conjunto com o meu grupo de amigas da época e, sinceramente, tinha considerado patético. Lembro-me perfeitamente dessas imagens que nos fizeram rir em conjunto, a mim e às minhas amigas. A cena passava-se numa casa-de-banho com azulejos verdes-claros. Um homem grande e ossudo, o protagonista porno, agarrava uma rapariga, dela não me lembro como era, por trás. Estavam debaixo do chuveiro. Ele penetrava-a por trás sob a água e ela gemia artificialmente com claro sofrimento ou tédio.

Ao contrário do erotismo, do qual era ávida consumidora, fosse literário ou cinematográfico, não gostei da pornografia, não gostei do que vi. Porém, o Ricardo era um verdadeiro coleccionador de pornografia. Como tinha um computador — coisa ainda rara em 1996, só mesmo para quem tinha dinheiro ou era da área da informática —, guardava numa pasta digital centenas de fotografias de mulheres nuas e casais em cópula. Fiquei surpreendida. Ao contrário do filme porno, as imagens estáticas tinham ressonância em mim, no meu corpo. Lembro-me que guardava nessa altura, escondido num móvel no meu quarto em casa dos meus pais, um livrinho da Taschen com fotografias eróticas antigas, a preto e branco, que me despertavam o desejo sexual.

Quando o Ricardo partilhou comigo aquela pasta de material pornográfico, a nossa sexualidade mudou. Foi a partir daquele momento em que, por ter partilhado um segredo, começou a nossa intimidade. Estou certa de que a nossa intimidade só começou a ser criada a partir desse dia. E, por conseguinte, o prazer. Apaixonei-me pelo Ricardo porque comecei a vê-lo. Era um rapaz sincero, transparente, e a nossa sexualidade tornou-se aos poucos a coisa mais prazerosa que havia experienciado. Comecei a ter prazer durante o sexo, pela primeira vez acompanhada. É claro que não superava o prazer onanista nas minhas sessões a solo. Ele tornou-se hábil. Durante o sexo olhava-me nos olhos. Uns olhos escuros e meigos que não conseguiam esconder o prazer de estar dentro de mim. Num caso atípico de evolução, a nossa intimidade nasceu da partilha do imaginário pornográfico. Mais do que isso, da libertação de fantasmas e segredos. O Ricardo foi o único homem mais ou menos honesto que conheci.

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