No arranque de Paris 2024, “Deus reuniu aqueles que se amam”

Segundo uma sondagem da Harris Interactive, divulgada pelo Comité Olímpico, no domingo, mais de 85% dos franceses consideraram que a cerimónia de abertura foi um “sucesso”.

Paris 2024 Olympics - Opening Ceremony - Paris, France - July 26, 2024. Canadian Singer Celine Dion performs at the Eiffel Tower at the conclusion of the opening ceremony of the Olympic Games Paris 2024 on July 26, 2024 in Paris, France. OLYMPIC BROADCASTING SERVICES/Pool via REUTERS
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A canadiana Céline Dion encerrou os festejos do alto da Torre Eiffel Tower OLYMPIC BROADCASTING SERVICES/Reuters
Paris 2024 Olympics - Opening Ceremony - Paris, France - July 26, 2024. Lady Gaga performs during the opening ceremony REUTERS/Amanda Perobelli
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A norte-americana Lady Gaga deu as boas-vindas a Paris Amanda Perobelli/Reuters
Paris 2024 Olympics - Opening Ceremony - Paris, France - July 26, 2024. Aya Nakamura performs during the opening ceremony. Pool via REUTERS/Esa Alexander
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Aya Nakamura actua durante a cerimónia de abertura dos Jogos Esa Alexander/Reuters
Paris 2024 Olympics - Opening Ceremony - Paris, France - July 26, 2024. French singer Axelle Saint-Cirel performs the "Marseillaise" on the roof of the Grand Palais during the opening ceremony of the Paris 2024 Olympic Games. ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/Pool via REUTERS
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A cantora de ópera Axelle Saint-Cirel canta o hino francês no topo do Grand Palais ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/Reuters
Paris 2024 Olympics - Opening Ceremony - Paris, France - July 26, 2024. Singer Juliette Armanet and pianist Sofian Pamart perform 'Imagine' by John Lennon and Yoko Ono on a float in the river Seine during the opening ceremony REUTERS/Paul Childs
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Juliette Armanet e Sofian Pamart protagonizaram "Imagine", de John Lennon and Yoko Ono Paul Childs/Reuters
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Sim, aconteceu na sexta-feira, mas continua na boca do mundo pelas mais diversas razões. A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Verão foi diferente das anteriores edições porque o palco não foi um estádio, mas a cidade de Paris e o rio Sena, por onde as comitivas de todos os países navegaram, em 85 barcos, com cerca de 10.500 atletas. Em paralelo, o espectáculo criado pelo director artístico Thomas Jolly decorreu, ao longo de quatro horas e debaixo de condições meteorológicas duras, com um dilúvio a cair sobre a cidade.

Segundo uma sondagem da Harris Interactive, divulgada pelo Comité Olímpico, no domingo, mais de 85% dos franceses consideraram que a cerimónia de abertura foi um “sucesso” e quase 80% estavam “optimistas” quanto ao sucesso dos Jogos. O jornal Le Monde escreveu que o encenador Thomas Jolly “foi bem-sucedido no seu desafio de apresentar um espectáculo imersivo numa capital transformada num palco gigantesco”. Estiveram envolvidos mais de 3500 performers, entre bailarinos, músicos e actores, num espectáculo que se desdobrou em 12 cenas. Já o conservador Le Figaro considerou o espectáculo “fantástico, mas algumas partes são demasiado”, com imagens “desnecessariamente provocadoras, incluindo uma aparente recriação da pintura da Última Ceia e dos seus apóstolos em frente a um desfile de moda”.

Aliás, por causa dessa parte do espectáculo, a organização pediu desculpas a quem se sentiu ofendido, mas Jolly explicou que não se tratava da Última Ceia de Da Vinci, mas sim de um tema sobre os deuses gregos. “A ideia era fazer uma grande festa pagã relacionada com os deuses do Olimpo”, esclareceu Jolly ao canal BFMTV, depois de críticas que chegaram desde a própria Conferência Episcopal francesa a grupos religiosos norte-americanos.

Relativamente aos bispos franceses, na manhã desta segunda-feira, o ministro do Interior francês, Gérard Darmanin, disse à France 2 que a França é “um país de liberdade: de liberdade sexual, de liberdade religiosa, de liberdade de gozar e de caricaturar”, elogiando a cerimónia.

Lady Gaga em versão cabaret

A voz soou forte: Bonsoir. Bienvenue à Paris!A cantora norte-americana abriu a cerimónia com uma homenagem ao espectáculo de cabaret — houve ainda espaço para, à beira do Sena, ver o celebrado cancã numa performance pelos bailarinos do famoso Moulin Rouge — com um vestido negro, que se foi transformando ao longo da actuação num elegante body e muitas plumas cor-de-rosa. Lady Gaga cantou Mon truc en plumes, numa homenagem à actriz, cantora e bailarina francesa Zizi Jeanmaire​ (1924-2020), rodeada por uma dezena de bailarinos e vários músicos, acabando com a vencedora de um Óscar e 13 Grammys a tocar piano. A letra da própria artista francesa faz um elogio às plumas e fala da sua sensualidade e fascínio.

Ópera, heavy metal e revolução

Interpretando Ça ira, uma canção popular durante a Revolução Francesa, a banda de heavy metal Gojira associou-se à cantora de ópera Marina Viotti, que entoava a área L'amour est un oiseau rebelle, da ópera Carmen, do francês Georges Bizet, num espectáculo com pirotecnia e muitas figuras decapitadas, incluindo a rainha Maria Antonieta, perante o olhar de cabeças coroadas como a de Felipe VI e Letizia, os reis espanhóis, que marcaram presença ao lado de centenas de chefes de Estado, convidados para a cerimónia de abertura. Também Marcelo Rebelo de Sousa não faltou.

Aya Nakamura e a Guarda Republicana

É uma das vozes mais ouvida em França e mais conhecidas no mundo, mas. quando se soube, em Março, que tinha sido uma das escolhidas para actuar na cerimónia de abertura, as críticas chegaram, encabeçadas por grupos da extrema-direita do país, lembrando que Aya Nakamura é de ascendência maliana, nascida em Bamako, capital daquele país, e que não saberia falar correctamente a língua de Molière.

Nada disso influenciou a decisão da organização dos Jogos e, na sexta-feira, antes de entrar em cena, já se ouviam os cerca de 40 instrumentistas da orquestra da Guarda Republicana Francesa a tocar acordes das canções For me formidable e La bohéme, de Charles Aznavour. Acompanhada de seis bailarinos, Aya Nakamura, juntou-se aos militares na Pont des Arts, com Pookie e Djadja, dois dos seus maiores sucessos, numa harmonia entre a chanson française e o pop.

Mulheres e Marselhesa

Axelle Saint-Cirel, a mezzo-soprano de 28 anos, nascida em França e filha de pais de Guadalupe, um território ultramarino francês, foi a escolhida para encarnar a figura de Marianne, segurando a bandeira francesa no alto do Grand Palais, e cantar o hino do país. Em baixo, no rio, eram reveladas as figuras douradas de dez mulheres francesas que contribuíram para a igualdade.

A saber: Christine de Pizan (1364-1430), considerada a primeira mulher a viver da escrita; Jeanne Barret (1740-1807), a primeira mulher a circum-navegar o globo, entre 1766 e 1769; a escritora e activista política Olympe de Gouges (1748-1793), que redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791; Louise Michel (1830-1905), professora que lutou pelo acesso à educação das crianças mais desfavorecidas; a primeira realizadora francesa de cinema Alice Guy (1873-1968); a atleta Alice Milliat (1884-1957), que contribuiu para o reconhecimento de desporto feminino e co-fundadora, em 1917, da Fédération des Sociétés Féminines Sportives de France; a escritora e jornalista Paulette Nardal (1896-1985), a primeira estudante negra a matricular-se na Sorbonne; a filósofa e romancista Simone de Beauvoir (1908-1986); a advogada e activista Gisèle Halimi (1927-2020), que lutou pelos direitos das mulheres e, em particular, pela legalização do aborto e pela luta contra a violação; e a política de origem judaica Simone Veil (1927-2017), que lutou pela justiça social.

Amor, liberdade e livros

Além dos monumentos, da arte, da história e da música, a literatura não foi esquecida e foi celebrada numa cena em que os homenageados foram os escritores franceses e o amor. Protagonizada por três jovens numa biblioteca, durante uns minutos, os espectadores — segundo a organização foram mais de 23 milhões os que assistiram em directo pela televisão — puderam espreitar os títulos de várias obras e o desenrolar de uma história de amor entre os três personagens.

Assim, passaram pelas câmaras, o título Paixão Simples, de Annie Ernaux, prémio Nobel da Literatura, 2022, As Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos, e Romance sem Palavras, de Paul Verlaine. Ainda espreitámos os títulos de Alfred de Musset, Não se brinca com o Amor; Guy de Maupassant com Bel-Ami; e de Molière, Os Amantes Magníficos. O livro da autora contemporânea Leila Slimani, Sexo e Mentiras, cruzou-se com O Diabo no Corpo, de Raymon Radiguet e o Triunfo do Amor, de Marivaux, numa encenação que celebrava o amor livre.

Imagine e o estado do mundo

Um piano em chamas tocado por Sofiane Parmat e a cantora Juliette Armanet a cantar Imagine, de John Lennon, numa ilha que navegava pelo Sena, simbolizaram o estado de um mundo instável e em guerra, bem como o desejo da paz.

Quem não esquecerá esta cena será o comentador polaco Przemysław Babiarz, que foi suspenso pela emissora estatal do país por, em directo, comentar que a canção de Lennon apresenta uma "visão comunista" do mundo — ​"infelizmente", acrescentou. A decisão foi criticada quer pela oposição de direita, incluindo o Presidente do país, quer por figuras de esquerda da coligação no poder, liderada por Donald Tusk.

Disse Babiarz: “Imagine, é [um apelo] a um mundo sem céu, nações, religiões, e isso é uma visão desta paz que é suposto todos abraçarem, isso é uma visão do comunismo, infelizmente”. Em tempos, o ex-Beatle admitiu que a canção era "praticamente o Manifesto Comunista", embora ele não o fosse.

Não é a primeira vez que Imagine é usada em cerimónias dos Jogos Olímpicos; é mesmo considerada uma espécie de hino​. Foi interpretada em Londres, em 2012, por um coro de crianças que traduzia em Língua Gestual e recorrendo a uma gravação do próprio Lennon, morto em Nova Iorque, em 1980. Antes disso, Stevie Wonder cantou-a nos Jogos de Atlanta, em 1996; e nos últimos Jogos, em Tóquio, em 2020, foi interpretada, mais uma vez por um coro de crianças e alguns artistas conhecidos como John Legend, Angélique Kidjo, Keith Urban e Alejandro Sanz.

Uma pira no céu da cidade

O acender da pira olímpica foi uma antevisão do final da cerimónia. Desde Maio, foram muitos os atletas e até celebridades que transportaram a tocha olímpica por todo o país. Logo no início da emissão da cerimónia é Zinédine Zidane quem transporta a tocha, mas acaba por passá-la a umas crianças que navegam pelos subterrâneos da cidade, mostrando as catacumbas de Paris (e os ratos). Depois, a tocha é passada a uma personagem mistério que a transporta, fazendo a ligação entre os vários momentos da cerimónia. No final, regressa à mão de Zidane, que a passa ao espanhol Rafael Nadal que a partilha com Serena Williams.

Mais uma vez, o Sena é palco do transporte da tocha, que, mesmo com a chuva forte, não se apaga. A tocha é passada de mão em mão, até chegar ao mais velho atleta francês, Charles Coste, 100 anos, ciclista que venceu a medalha de ouro nos Jogos de 1948, em Londres. De seguida, cabe ao judoca Teddy Riner, medalha de ouro em Londres 2012, e à velocista Marie José-Perec, medalhada em Barcelona 1992 e Atlanta 1996, acender a pira, que se encontra num balão. Trata-se de uma homenagem ao primeiro balão de hidrogénio da história. A pira é formada por um anel de fogo com sete metros de diâmetro acoplado a um balão de ar quente. Durante todo o período dos Jogos, a pira estará a 30 metros do chão, no Jardim das Tulherias, e pode ser vista em diversos pontos da cidade.

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A pira olímpica suspensa no ar e a Torre Eiffel Tower, depois do pôr-do-sol Christian Hartmann/Reuters

Céline Dion e a prova superada

O grande final da cerimónia decorreu na Torre Eiffel, tendo como protagonista a canadiana Céline Dion, que, nos últimos tempos, tem sido notícia pela doença incapacitante de que padece. Após anos a reabilitar a voz após o diagnóstico de Síndrome da Pessoa Rígida, Céline Dion actuou nos Jogos Olímpicos. Foi o primeiro concerto em quatro anos.

Desde o início da semana que se falava do nome da canadiana, mas só na sexta-feira, quando as câmaras mostraram a artista é que a sua actuação foi confirmada. Como não podia deixar de ser, a homenagem recaiu sobre Edith Piaf, e Céline Dion entoou um dos mais célebres clássicos da música francófona, L'hymne à l'amour", acompanhada ao piano por Scott Price​, o seu director musical.

A letra de Piaf, uma declaração de amor de alguém que fará tudo para se manter ao lado da pessoa amada, termina com a estrofe "Deus reúne aqueles que se amam", uma excelente maneira de dar início a um evento que procura unir os povos em torno do desporto.

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