Os figurinos são parte integrante de um espectáculo e, por vezes, competem pelo protagonismo com os artistas que os vestem. Na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, a moda assumiu o papel de concorrente ao pódio, com a Dior a liderar a corrida e a vestir as protagonistas da noite. Mas houve, ainda espaço, para dar palcos aos jovens designers de moda ou não fosse Paris a cidade berço da moda de autor.
Plágio ou inspiração?
A internet está convencida de que a actuação de Lady Gaga na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos foi gravada de antemão e não transmitida em directo como a televisão fez parecer. Mas não é esta a única preocupação com a actuação da artista que cantou Mon Truc En Plumes de Zizi Jeanmaire, a usar um macacão de cetim preto com plumas de flamingo, que foi completado com uma generosa saia de penas naturais pretas e rosa ─ “colhidas naturalmente durante a muda” de penas dos animais, promete a artista.
Inicialmente muito aclamado, o visual assinado pela Dior não demorou a gerar polémica no mundo da moda, depois de Anthony Vaccarello, o director criativo da Saint Laurent, se ter queixado de que a criação não era original, mas uma cópia dos figurinos que Yves Saint Laurent tinha desenhado para o coreógrafo Roland Petit, em 1961, quando foi estreada a coreografia. “Que pena, já não há dignidade”, escreveu o director criativo na sexta-feira, nas redes sociais.
Pouco depois, o criador belga apagou a publicação, depois de a casa de moda francesa ter escrito numa publicação de Instagram que o design era “inspirado” pelas criações da Dior para Roland Petit, para quem o próprio Christian Dior, que morreu em 1957, já tinha desenhado. Aliás, a ligação de Yves Saint Laurent a Roland Petit pode ter começado quando este era director criativo da Dior ─ depois de ter sido aprendiz de Christian Dior foi ele a continuar o legado do costureiro até 1960, dois anos antes de lançar oficialmente a etiqueta em nome próprio.
Anthony Vaccarello (the creative director of Saint Laurent) was not impressed with Lady Gaga’s performance in Dior for the #Olympics opening ceremony pic.twitter.com/ovS20FFXUG
— Couture is Beyond (@CoutureIsBeyond) July 26, 2024
Os bailarinos que acompanharam Lady Gaga também usaram Dior, em visuais inspirados pelo filme Sabrina de 1954, protagonizado por Audrey Hepburn, que mostra os famosos pompons numa cena no teatro de cabaret no Lido de Paris. “Alugámos pompons do arquivo do Le Lido ─ um verdadeiro teatro de cabaret francês. Colaborámos com a Dior na criação de figurinos personalizados, utilizando penas naturais. Estudei coreografias francesas que davam um toque moderno a um clássico francês”, detalhou Lady Gaga num comunicado partilhado nas redes sociais depois da cerimónia.
“Embora não seja uma artista francesa, sempre senti uma ligação muito especial com os franceses e com a música francesa ─ não queria mais do que criar um espectáculo que aquecesse o coração de França, celebrasse a arte e a música francesas e, numa ocasião tão importante, recordasse a todos uma das cidades mais mágicas do mundo: Paris”, celebrou.
E terminou: “Parabéns a todos os atletas que estão a competir nos Jogos Olímpicos deste ano! É uma honra suprema cantar e torcer por vocês! Assistir aos Jogos Olímpicos emociona-me sempre! O vosso talento é inimaginável. Que comecem os jogos!”
500 metros de franjas para Céline Dion
No topo da Torre Eiffel, Céline Dion celebrou o seu apoteótico regresso à música, depois de quatro anos longe dos palcos, por causa da Síndrome da Pessoa Rígida, que lhe paralisa os músculos e a voz. E se todos os ouvidos estavam concentrados na voz de canadiana que entoou L'Hymne à l'Amour de Edith Piaf, os olhos não se desviaram da cintilante vestido que usava.
O vestido em seda branca, desenhado pela directora criativa da Dior, Maria Grazia Chiuri, foi bordado manualmente com “milhares” de lantejoulas prateadas e adornado com mais de 500 metros de franjas de pérolas. Como resultado, a criação brilhou debaixo das estrelas do céu de Paris e, depois de ter sido altamente aclamado, o vestido reforçou a mestria do atelier de alta-costura da Dior, que trabalhou durante “mais de mil horas”, frisa a casa de luxo.
Ao piano, Céline Dion foi acompanhada pelo compositor Scott Price, que também usou um smoking preto de Kim Jones para a Dior. A marca divulgou alguns momentos dos bastidores da preparação do espectáculo, incluindo uma fotografia de Dion a comer pizza no atelier de alta-costura na boutique 30 Montaigne.
LVMH vs. Pequenos criadores
Mas Lady Gaga e Céline Dion não foram as únicas estrelas que a Dior vestiu. Aliás, a casa francesa foi responsável pelos figurinos de quase todos os artistas (vestiram mais de 60 pessoas) que abrilhantaram a cerimónia de mais de três horas dirigida por Thomas Jolly, a começar por Axelle Saint-Cirel, que cantou o hino nacional de França, Marselhesa, no topo do Grand Palais, a usar um vestido com mais de oito metros de comprimento. A criação destacou-se pelos icónicos drapeados da casa nas cores da bandeira francesa.
Mais inventivo foi o visual de Aya Nakamura e dos seis bailarinos que se vestiram de dourado com “milhares de penas” cosidas à mão no vestido de inspiração grega ─ uma silhueta semelhante à que Grazia Chiuri já tinha apresentado recentemente na colecção de alta-costura de Outono/Inverno, em homenagem às origens dos Jogos Olímpicos. O objectivo, detalhou a marca, era vestir a artista como uma fénix, o que traz uma forte mensagem, já que a cantora foi altamente criticada pela extrema-direita francesa por ter sido escolhida para esta abertura, não obstante ser a francesa mais ouvida no mundo.
Pode mesmo dizer-se que a Dior se afirmou como uma das concorrentes do serão, mas não foi, de todo, ao acaso que isso aconteceu. A LVMH de Bérnard Arnault investiu mais de 150 milhões de euros a patrocinar o evento, trazendo visibilidade também para as suas marcas de luxo, da Louis Vuitton (que fez as malas para as medalhas), à Berluti (que veste os atletas da equipa francesa) ou à TAG Heuer na relojoaria. “Não se trata principalmente de mostrar as marcas. É para mostrar o espírito, o espírito do nosso grupo e o espírito do país. Mostramos o poder deste país no mundo”, justificou o homem mais rico de França numa entrevista à CNBC.
Apesar do monopólio da LVMH, a responsável pelos figurinos da cerimónia de abertura, Daphné Bürki, também decidiu dar palco a jovens criadores franceses ─ com autorização de Arnault. Entre os 15 nomes seleccionados para vestir alguns artistas estavam Victor Weinsanto, que já vestiu Beyoncé no passado, ou Charles de Vilmorin, o responsável por vestir 150 figurantes do quadro Liberté, que homenageava o cinema de François Truffaut.
Já Friot vestiu a misteriosa figura que protagonizou um dos momentos mais memoráveis da noite: um cavalo mecânico a percorrer o rio Sena com a bandeira olímpica. O visual foi inspirado por Joana d'Arc, detalhou a criadora à Women’s Wear Daily. “É uma mulher que simboliza muito bem o que eu estou a tentar fazer, o que eu quero ─ libertar-me das regras de género, do que a sociedade me impõe enquanto mulher, e decidir lutar.”
No quadro da cerimónia que foi comparado à Última Ceia (acusação entretanto negada por Thomas Jolly) todos os artistas drag vestiram criações destes jovens designers. Destacou-se a modelo transgénero Raya Martigny que desfilou num macacão com as cores da bandeira francesa coberto com mais de 60 mil cristais, da autoria de Gilles Asquin.