Anabela Mota Ribeiro: “Todos escrevemos e dizemos tolices nas redes sociais”

Anabela Mota Ribeiro é jornalista e escritora, e tem 52 anos. “Foco. Sente-se a escrever” foi o melhor conselho que lhe deram na vida, revela.

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Anabela Mota Ribeiro, jornalista e escritora Nuno Ferreira Santos
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Que rede social mais usa? Já desistiu de alguma, e porquê?
Uso Facebook e Instagram regularmente e publico o mesmo conteúdo numa e noutra. Tenho conta no X, mas não publico porque o seu formato me é estranho: requer concisão, um certo gosto pela polémica, imediatismo.

Já se arrependeu de alguma coisa que escreveu numa rede social? O quê?
Já e não me lembro (não deve ter sido tremendo). Como não?, todos escrevemos e dizemos tolices.

Tem a noção de quantos ex-amigos tem? Cinco? Dez? Ou nunca se zangou com um amigo?
Não chegam a cinco. O fim de uma amizade longa e íntima, quanto mais longa e mais íntima, é devastador. Às vezes, as relações estragam-se ou a zanga é detonada por um episódio menor, uma palavra torta. Como nas famílias, há tensões latentes, ciúme e inveja, fraquezas, pequenas e grandes maldades.

Qual é o elogio que menos gosta que lhe façam?
Faço psicanálise há anos, fiquei com menos medo da ferocidade, auto ou heteroinfligida. Mas em dias carentes gosto de todos os elogios. O que é diferente de bajulação e falsidade.

Se pudesse viver no cenário de um romance literário, qual escolheria?
Escolheria viver dentro de um romance da Natalia Ginzburg. Dentro de um cenário criado por aquela cabeça prodigiosa.

Fora de Portugal, qual é o lugar onde se sente em casa? E porquê?
Rio de Janeiro. Porque tenho uma afilhada brasileira, a Mia. Porque estudo Machado de Assis. Porque tenho uma afinidade com as pessoas, a cultura e a língua que me dá um sentido de pertença. Porque cheguei ao restaurante Guimas e o meu telemóvel apanhou a rede automaticamente. Ao mesmo tempo, é no Brasil que me sinto mais europeia. Compreendo que sou de outro continente, com outras referências, outra noção de desigualdade, outra vivência do corpo.

Qual o melhor conselho que lhe deram na vida?
“Foco. Sente-se a escrever.”

Em que situações se considera uma “chata”?
Quando falo de mais e escuto de menos.

Tem algum vício que gostaria de não ter? E um de que se orgulhe?
Limpar e arrumar é um vício? Tenho esse e orgulho-me. Ser menos disciplinada do que devia não é um vício, mas uma condição diária. Seria bom assumir isso como uma compulsão e conseguir fazer algum exercício ou sair de casa todos os dias.

Diga o nome de três portugueses vivos que admira (não vale a sua mãe nem o seu pai).
Joana Pinto Ribeiro, minha sobrinha, pela constância, abnegação, por me mostrar sempre o melhor lado do ser humano (é psiquiatra e dedica a vida ao filho, um menino autista). A Conceição Matos e o Domingos Abrantes, que suportaram muito, sem quebrar, pela luta contra o fascismo que me ajudou a viver em liberdade. E admiro os milhões de portugueses, anónimos, que trabalham de madrugada a madrugada, enfrentam a pobreza e o sacrifício, e vão encontrando um sentido e um caminho. Em todos admiro a coragem e o estoicismo.

Já teve algum ataque de ansiedade? Em que circunstâncias?
Sim. Numa gruta, no deserto do Atacama, no Chile, em que era preciso rastejar, sem luz. Não ter sabido a extensão do percurso e não poder voltar atrás, porque outros rastejavam atrás de mim, deixou-me encalacrada.

E já se sentiu profundamente exausta? Foi burnout?
Há cinco anos, estive doente. Apesar de restabelecida, compreendo que o meu corpo não é o mesmo, e sinto-o, mais do que tudo, na resistência física. Do ponto de vista emocional, sou (como era no físico) maratonista. Acontece com frequência acordar cansada, ou mesmo exausta, ainda que tenha dormido oito horas (se bem que as noites não sejam inteiras para muitas mulheres acometidas pelos suores e as insónias da menopausa). A última vez em que tombei foi em Abril.

Se lhe pedissem conselhos para uma relação amorosa feliz, o que é que dizia?
Vou citar duas amigas: manter alguma cerimónia; e ser capaz de dizer frequentemente: obrigada e desculpa. E vou citar dois autores: o poeta e.e. Cummings escreveu que “a função do amor é fabricar o desconhecido”. A capacidade de manter a surpresa e a descoberta é indispensável. O Machado de Assis escreveu que era precisa a “oportunidade dos sujeitos”. Estarem em sintonia, ou procurarem uma coincidência temporal e de entrega mútua, é precioso.

É vegetariana, vegan, faz alguma dieta especial? Porquê?
Faço dieta para não engordar desde os 12 ou 13 anos. Tenho uma relação cada vez mais distante com a comida e com a mesa (maço-me em jantares intermináveis, sou incapaz de fazer meio quilómetro para conhecer um restaurante, além de achar tudo uma careza). Podia comer ovos estrelados todos os dias e ficaria feliz.

Qual foi o último filme que viu? E qual foi o último de que gostou?
Sunset Boulevard, de Billy Wilder. Foi num contexto profissional, na Casa do Cinema Manoel de Oliveira, e ouvi os contributos da Adriana Molder e da Patrícia Portela. Os filmes ficam outros quando são comentados e contaminados por outros olhares, e nós somos outros quando voltamos a um clássico.

Qual o seu maior arrependimento?
Prefiro não responder.

Qual foi a última vez em que se surpreendeu?
Quando li sobre a morte do Siga, o Rei da Pasteleira, aos 39 anos. Aparentemente por overdose. Roubou o primeiro carro aos 11, roubou um autocarro e teve o sonho de roubar um avião. Uma vida marcada pela prisão, droga, exclusão social. Quando trabalhava na Rádio Nova, ao lado da Pasteleira, roubaram-me o carro, novinho em folha; o mais espantoso é que o encontrei, eu mesma, estacionado à porta de um prédio da Pasteleira dias depois. Pus-me agora a pensar se terá sido o Siga.

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