Foi o açúcar que moldou a vida de Eddie Spence, o responsável por todos os bolos, ao longo de sete décadas, que celebraram os momentos mais importantes da família real britânica. E foi com açúcar que se despediu no início deste mês. “Coloquei-lhe um saco de pasteleiro na mão”, contou a sua mulher, Tracy Spence, ao The Telegraph. Tudo para que possa “ensinar aos anjos as suas habilidades”.
Nascido na Royal Mile, em Edimburgo, Spence começou a trabalhar na padaria local Mackie's com apenas 14 anos, nos anos de rescaldo da Segunda Guerra Mundial, numa altura em que muitos desistiam precocemente da escola por falta de meios económicos. Mas, confessou ao Daily Mail em 2018, quando se reformou, “adorei logo de início”, até porque, como viria a perceber, o facto de ter começado cedo viria a dar-lhe vantagem sobre aprendizes que, habitualmente, só se iniciavam nas artes da pastelaria aos 16.
Spence não fazia ideia, mas seria a Mackie's a confeccionar o bolo de casamento da então princesa Isabel, em 1947. E, por sorte, foi ele o aprendiz que teve direito a entrar no espaço onde se realizava a tarefa. Ia apenas incumbido do recado de entregar alguns ingredientes, mas acabaria por receber a missão de bater os ovos para o bolo. “Demorou o dia todo, mas valeu mesmo a pena”, viria a recordar mais tarde.
O pasteleiro foi crescendo na instituição, onde, chegou a apontar, executava cerca de 50 bolos de casamento por semana. E a ligação à Mackie facilitou o contacto com a família real, passando a criar verdadeiras obras de arte: para os aniversários, para as festas ou para os casamentos reais, como o de Carlos com Diana ou de André com Sarah Fergunson.
Mas um dos seus preferidos, chegou a confessar ao The Daily Mail, foi o bolo composto para a princesa Margarida e Antony Armstrong-Jones, em 1960 – uma encomenda feita directamente pela irmã da rainha, que lhe pediu um bolo tradicional. Spence respondeu com um bolo estilizado, a exibir as iniciais dos noivos, com padrões de flores e o brasão real.
Também recordava com carinho quando, em 1977, por altura do Jubileu de Prata da já rainha Isabel II, criou um bolo de 25 quilos e mais de 50cm de altura, com o qual replicou a Carruagem de Estado Dourada, e foi ele que voltou a dar nas vistas noutras ocasiões especiais que não passaram despercebidas em Buckingham.
Em 2000, o artista recebeu das mãos da própria monarca, que, para ele, era “absolutamente fabulosa”, a distinção de membro da Excelentíssima Ordem do Império Britânico. “No final da recepção da minha medalha e para lhe agradecer, disse: ‘Obrigado, pet’. Chamo sempre ‘pet’ a toda a gente e, claro, ela riu-se imediatamente e escreveu-o no seu livro. Esse foi o momento mais importante e mais agradável.” (ainda que “pet” seja traduzido à letra como animal de estimação, num sentido mais livre pode significar querida)
O pasteleiro viria a reformar-se aos 85 anos, depois de, relutantemente, ter assumido que as suas mãos já não eram capazes de executar os trabalhos minuciosos pelos quais se tornou famoso, mas revelou-se esperançoso com o futuro por, ao longo da sua vida, ter ensinado vários talentosos chefs, até porque a sua arte intrincada com o glacê foi estudada em escolas de culinária, apresentada em exposições e celebrada em concursos televisivos de pastelaria. Resta saber se a aqueles, como a ele, lhes corre glacé nas veias, como brincava a sua mulher.
Eddie Spence morreu com 91 anos, na sua residência, em Dorset, Inglaterra. Deixa a mulher, com quem se casara em 2017, três filhos do primeiro casamento, dois enteados e sete netos.