As mulheres amadurecem mais tarde

Os homens podem ser tão ou mais complexos do que as mulheres, tão ou mais sensíveis, mas certamente não têm os mesmos timings.

Foto
A mulher amadurece quando deixa de gerir a sua vida, ou o seu destino, na expectativa do que o outro irá querer ou desejar Denys Nevozhai/Unsplash
Ouça este artigo
00:00
05:21

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Sempre ouvimos que os homens amadurecem mais tarde, na tentativa de justificar comportamentos e atitudes com base na faixa etária. Nada mais errado. Conheço homens com mais de 40 anos que continuam a ir lavar a roupa à casa da mãe, ou a encher-se de tupperwares aos domingos, se querem ter refeições caseiras durante a semana. Por outro lado, há homens com 18 anos que saem da casa do pai e da mãe sem qualquer tipo de dependência, a não ser a filial, amorosa. A idade não demonstra coisa nenhuma e muito menos prova que as mulheres amadurecem mais cedo. Nada mais falso. A cultura e a sociedade é que impelem as mulheres a uma responsabilidade que não pode ser traduzida por “amadurecimento”.

Quando somos miúdas, e nos interessamos por alguém, somos capazes de mudar o trajeto de rumo a casa, apenas para sermos ignoradas por um rapaz que desconhece a nossa existência. Mais tarde, chega o momento de uma grande desilusão amorosa, em que acabamos uma relação, convictas de que fomos ‘A’ mulher da vida dele, até visualizarmos a story a celebrar o reacendimento de um amor antigo ao nosso. E por falar em stories, vê-los pôr likes, não quer mesmo dizer nada, na perspetiva masculina. Será que, será que… deixem-se disso, leiam um livro, saiam, viajem, cultivem boas amizades, porque quando a mulher amadurece percebe com clareza que os grandes amores da vida são os amigos/as e as pessoas que estão sempre lá, que podem ser familiares ou não.

A falsa romantização que nos é vendida por tanto homem, entre os 20 e os 30 anos, com o único propósito de terem uma vida sexualmente ativa, sem que nos conheçam ou desejem conhecer, só é percecionada algumas décadas depois. Uma mulher madura já não cai nessa. Sabe iludir-se quando lhe convém, sem que daí surjam danos maiores, que não uma boa noite de sexo, não esperando uma mensagem ou um final feliz e copiando aquela distinção tão tipicamente machista, injusta e grosseira, entre mulher para casar e mulher para one night stand. Sabemos bem, que anos mais tarde, optando pela “mulher certa para casar”, muitos homens acabam a ter vidas duplas ou triplas.

As mulheres amadurecem mais tarde, quando percebem que o tempo dos homens não é o tempo das mulheres e que a equidade não significa ter gostos e objetivos comuns. Os homens podem ser tão ou mais complexos do que as mulheres, tão ou mais sensíveis, mas certamente não têm os mesmos timings.

A mulher, quando amadurece, percebe que o pensamento masculino está longe de estar focado naquilo que para si era dado adquirido. A mulher amadurece quando deixa de gerir a sua vida, ou o seu destino, na expectativa do que o outro irá querer ou desejar. É quase uma libertação. E não faltam vídeos pelas redes sociais, de mulheres, na casa dos 60, 70, quando questionadas: o que fariam de diferente, se voltassem atrás no tempo? Respondendo: não me tinha casado, não teria vivido ansiosa à procura do tal ou do grande amor. Vivemos tempo demais a reboque dessa procura e do: “o que é que ele estará a pensar?”. Poderá mesmo não estar a pensar em nada e, se estiver, é muito provável que esse pensamento esteja longe, bem longe da tua pessoa. Aliás, que loucuras pouco saudáveis cometeram por um homem? Duvido que alguma mulher, após o amadurecimento desejável, as repetisse. Essa é também uma aprendizagem da mulher madura, que se encontra a si mesma: livrar-se do verdadeiro tumulto, sobressalto, que alguns homens proporcionam, ainda que camufladamente, à parceira.

Vejo com certa esperança, a educação de algumas mulheres do nosso tempo, ainda adolescentes e senhoras do seu nariz. Mas dá-me algum desalento perceber que há uma série de jovens, meninos, que continuam a ser educados mediante os padrões que as próprias mães criticaram nas sogras, pela forma como educaram os filhos. Nisto, ainda não mudou muita coisa. Claro que, depois, a personalidade de cada um ajuda à libertação da imaturidade. Por muito que uma mãe seja galinha, de nada vai adiantar se tiver um filho com traço de personalidade independente, de descoberta, de querer participar.

Temos, por exemplo, cada vez mais pais a serem efetivamente pais. Todavia, é inegável que nas rotinas de muitos casais, é o cérebro delas, que está em constante alerta, uma ficha que nunca desliga, causando stress, que culmina muitas vezes na leitura de que aquela mulher, depois de ter filhos se tornou o diabo, enquanto o procriador continua aquela joia de homem, sempre disponível para a festa, mas a continuar a precisar da mulher para saber onde está tudo em casa, sem sequer procurar primeiro.

Mas se este texto é apenas uma perspetiva de senso comum, haverá, alguma base científica para concluir o contrário, de que as mulheres amadurecem mais cedo e os homens mais tarde? Em 2019, uma equipa de cientistas norte-americanos, da escola de Medicina da Universidade de Washington, observou que o cérebro das mulheres é quatro anos mais jovem do que o dos homens. Na altura, o neurobiólogo Marcus Raichle afirmou ao The Guardian: “Se observarmos como o metabolismo cerebral prevê a idade de uma pessoa, as mulheres aparecem quatro anos mais jovens do que eles”.

Não, não amadurecemos mais cedo do que os homens, eles é que continuam a ser educados para serem tratados e divinizados por mulheres e fazê-los crer que elas são mais crescidinhas, num verdadeiro trampolim para a hiper responsabilização que nos é atribuída. E o medo, o medo de viajar sozinha, o medo de caminhar à noite na rua, o medo, sempre o medo que, só uma mulher madura, muitos anos mais tarde, sabe desafiar.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 1 comentários