Granvinhos prevê investir 2 milhões de euros em São Salvador da Torre nos próximos anos
O investimento da Granvinhos na quinta da região dos Vinhos Verdes focar-se-á, para já, “em viticultura e manutenção”, nomeadamente do solar do século XVII. Primeiro vinho sai no segundo semestre.
A Granvinhos, empresa do grupo La Martiniquaise, prevê investir "nos primeiros anos" de operação na margem direita do rio Lima "2 milhões de euros, em viticultura e alguma manutenção", nomeadamente na "manutenção do património" que é o solar do século XVII existente na propriedade com 37 hectares de vinha, totalmente murada, que a dona da Dalva e da Porto Cruz adquiriu (sem divulgar o valor do negócio) há pouco mais de um ano, à Soja de Portugal, na freguesia de São Salvador da Torre, Viana do Castelo. Da vindima de 2023, já nasceram os primeiros vinhos, dois monovarietais de Loureiro. Um sairá para o mercado no "segundo semestre" de 2024 e o outro tem lançamento previsto para daqui a um ano. A produção fica-se, neste arranque, pelas cerca de 10 mil garrafas e irá crescer paulatinamente.
"Na casa [restaurada e ampliada no século XIX], neste momento, estamos a fazer só manutenção do património. Vamos substituir todo o telhado, as janelas e, enfim, corrigir todas as patologias que a casa tem. Com o que choveu no ano passado, se não interviéssemos agora, isto ficava rapidamente em ruínas", começa por explicar Jorge Dias. Saltando para os vinhos, refere o administrador da Granvinhos que a "opção [ali] foi começar pelo Loureiro", com "dois vinhos que no ano passado tinham uma expressão fantástica e que têm uma entidade muito própria, que fogem àquele Loureiro tradicional, enjoativo, muito aromático".
O berço desse Loureiros especiais e "de guarda" tem área edificada que permite fazer um enoturismo com mais quartos do que o Ventozelo Hotel & Quinta, no Douro, mas, para já, a prioridade dos novos proprietários é outra. "A primeira prioridade foi avaliar o potencial vitícola. Esta quinta estava alugada ao Anselmo [Mendes], com quem tenho uma amizade há mais de 30 anos, e [essa parte] já estava aferida. A par da obra de manutenção do património do solar, estamos a fazer análises mais aprofundadas à vinha. E já detectámos que vamos precisar de refazer entre 7 e 8 hectares da vinha, que foi toda plantada por volta de 2015", explicou o administrador da Granvinhos ao PÚBLICO.
Essa intervenção será feita no Alvarinho — a quinta tem Alvarinho e Loureiro, praticamente em partes iguais mas com a primeira a destacar-se em área, e 1 hectare de Sauvignon Blanc —, que não está nos melhores solos para vinha. "Temos aqui uma mancha aluvionar no centro da quinta e isto tem de ter uma drenagem que na altura não foi feita. Vamos replantar esses hectares com outras castas que consideramos mais adaptadas", explicou o gestor, numa visita no passado mês de Junho.
A conclusão já saiu de um levantamento do "capital natural" da quinta, que está em curso e no âmbito do qual os biólogos que lideram o estudo têm vindo a sugerir criar, no local de onde será arrancado Alvarinho, uma lagoa. Uma segunda charca, uma vez que já existe uma na propriedade, que também tem uma fonte de mergulho, ou "mãe de água", de origem medieval. Isto para além de voltar a abrir os canais de drenagem que outrora ali existiram. "Fomos ver fotografias do início dos anos 2000 e, quando aquilo era milho, havia lá canais de drenagem, que foram aterrados."
Em busca do "lado fresco"
A propósito de água, conta Jorge Dias que, quando a Granvinhos procurava (de forma "passiva", sublinha; não como quando o grupo comprou há dez anos Ventozelo, porque "queria mesmo comprar uma quinta no Douro") sair da região demarcada de vinhos mais antiga do mundo e "completar um bocadinho o [seu] portefólio", a busca começou pelo Alentejo. Acontece que, nas propriedades que visitou a sul, não viu futuro. "Numa em particular, cheguei lá em Dezembro e tinha uma charca enorme vazia. De facto, o Alentejo vai ter um problema de água muito grande. Mas, em segundo lugar, o Alentejo acrescentava muito pouco ao nosso portefólio." Além disso, a Granvinhos queria o "lado fresco" que encontrou recentemente na ilha do Porto Santo (o grupo está na Madeira desde os anos 1980, mas só recentemente se aventurou na produção de vinhos tranquilos, na Madeira e na ilha dourada) e o Minho tinha isso.
"Estamos muito entusiasmados com o nosso projecto na Madeira, por termos começado a fazer vinho Madeirense, sobretudo no Porto Santo. E aqui [nos Vinhos Verdes] provavelmente conseguiremos fazer vinhos nessa linha", explica Jorge Dias. Loureiros "de guarda". A S. Salvador da Torre, também conhecida como Quinta de Santo Isidoro, e às suas vinhas viradas a Sul, chega a brisa marítima característica do vale do Lima, que ameniza os efeitos das alterações climáticas com que a moderna viticultura se confronta um pouco por todo o mundo.
O enólogo dos vinhos que a Granvinhos já está a produzir em São Salvador da Torre é, naturalmente, Anselmo Mendes. Os vinhos são feitos, de resto, na sua adega e lá continuarão a ser feitos "até 2026/27", sendo que existe na propriedade uma adega dos anos 1970, desactivada, por onde passam os planos futuros de vinificação do grupo nos Verdes. Antecipando a pergunta sobre o enoturismo, Jorge Dias partilha: "acreditamos que isto é uma zona turística por excelência, mas, antes de pensarmos nisso, vamos também investir na adega."
Voltando ao terroir e às uvas, o "senhor Alvarinho" já comprava as uvas à Soja de Portugal, que começou por usar a quinta para fazer ensaios com rações para animais e mais tarde plantou vinhas como uma fonte de rendimento alternativa, e, por isso, conhecia bem a matéria-prima. Uma coisa levou à outra. "Aqui, era uma procura mais passiva — se aparecesse aquela coisa que nos enchesse o olho... E apareceu-nos isto aqui."
Outra região, a mesma filosofia
Quem entra aqui vislumbra potencial para se fazer algo com a mesma filosofia que a Granvinho pôs em prática em Ventozelo. "Foi isso que nos apaixonou nesta propriedade", admite Jorge Dias. "Sendo um ecossistema completamente diferente", lógico, o gestor diz encontrar ali a mesma "sensação de paz". "Desde logo, pela dimensão da propriedade. Não é muito comum nos Vinhos Verdes vermos propriedades assim tão grandes [contíguas] e muradas. É aquilo a que os franceses chamam clos."
Em que medida, então, se aproximam os dois projectos, Ventozelo, no Douro, e São Salvador da Torre, nos Vinhos Verdes? "Aqui também há muitas zonas de refúgio. E já fizemos um primeiro levantamento dos ecossistemas em presença e do capital natural, enfim, da biodiversidade existente e vamos começar um programa de redução de pesticidas e herbicidas", partilha, sobre uma quinta que "está em produção integral" mas onde a preocupação não são os "selos". "O que queremos é fazer uma gestão desta propriedade diminuindo a utilização de pesticidas, independentemente de certificações, um bocadinho aquilo que estamos a fazer em Ventozelo."
E uma gestão integrada e holística. Precisamente a pensar nas infestantes e mesmo nas ervas que possam competir com a videira, chegaram à quinta, ainda em Abril, onze patos indianos, que estavam a ser treinados durante a visita à propriedade. Quando por lá andámos, já vimos as linhas entre os bardos de videiras com coberto vegetal semeado, mas o objectivo é, a prazo, ter vegetação autóctone nos enrelvamentos e nos próprios taludes.
A história da quinta será anterior à fundação de Portugal. Da pesquisa que encomendou, a Granvinhos tem apenas certeza de que a propriedade ficava em terras do mosteiro beneditino de São Salvador da Torre, "fundado em finais do século IX ou início do seguinte" e "que deu o nome à paróquia local", segundo se pode ler num documento com a história da quinta, enviado ao PÚBLICO.
Os beneditinos acumularam doações e expandiram o seu domínio e em 1129 receberam de D. Afonso Henriques carta de couto. Nos séculos finais da Idade Média, o mosteiro "tornou-se um alvo apetecível de famílias fidalgas da região" e foi um desses nobres, "D. Afonso da Rocha, quem instituiu a capela de Nossa Senhora do Corporal, por volta de 1440", tendo "uma das pedras sepulcrais com o brasão dos Rochas" sido "mais tarde transferida para a capela de Santo Isidoro", aquela que ainda encontramos hoje na quinta.
No século XVI, o mosteiro "passaria para a administração do arcebispado de Braga", continua o documento, e "desde a era quinhentista" são várias as referências documentais feitas à quinta. Numa delas, conta a Granvinhos, ficamos a saber que, "em Janeiro de 1554", "Francisco Brandão Coelho, fidalgo da Casa Real, e sua mulher Margarida de Abreu", que em 1518 haviam emprazado a quinta, terão recebido uma bula papal, ordenada por Júlio III, "para instituírem uma capela com a invocação de Santo Isidoro, com altar para aí se dizer missa". A actual capela da quinta só viria, contudo, a ser construída mais tarde.
O projecto da Granvinhos podia chamar-se Quinta de Santo Isidoro, mas "chamou a atenção" de Jorge Dias um placar dos Percursos do Homem e do Garrano junto ao Lima —até onde se estende a propriedade e onde o gestor já imagina um cais de acesso ao rio — onde se lê: "Quinta de Santo Isidoro, outrora denominada Casa de São Salvador da Torre."
Baptismos à parte, rezam os documentos que em 1925 já ali se desenvolvia a viticultura e se produziam "120 pipas de vinho branco de qualidade" por ano. Um bom prenúncio.