O privilégio da nacionalidade e a revisão de sentença estrangeira

O processo de revisão de sentença estrangeira não abarca um juízo sobre o mérito da sentença a rever.

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Para que as sentenças proferidas por um tribunal estrangeiro produzam efeitos na ordem jurídica portuguesa, nos casos em que a sua aplicação direta não resulte de instrumentos internacionais, como sejam os regulamentos europeus, têm que ser revistas e confirmadas na ordem jurídica portuguesa, através do processo especial de revisão de sentença estrangeira, previsto nos artigos 978º e seguintes do Código de Processo Civil.

O processo de revisão de sentença estrangeira não abarca um juízo sobre o mérito da sentença a rever, correspondendo a uma revisão formal sendo, por isso, necessário que a sentença a rever preencha os requisitos formais, que estão definidos no artigo 980.º do Código de Processo Civil, incluindo-se aqui o requisito de que a sentença não contenha uma decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado português.

Só nas restritas situações previstas no artigo 983.º n.º 1 do Código de Processo Civil é que a parte contra quem é pedida a revisão da sentença, pode impugnar o pedido.

A acrescer a estas situações e, quando a sentença a rever tenha sido proferida contra pessoa, singular ou coletiva, de nacionalidade portuguesa, pode funcionar o privilégio da nacionalidade, previsto no n.º 2 deste artigo, nos termos do qual, ainda que todos os requisitos formais estejam integralmente cumpridos e que, de acordo com os mesmos, a sentença devesse ser revista e confirmada, é permitida a impugnação do pedido, com base na circunstância de que o resultado da ação cuja sentença se pretende reconhecer teria sido mais favorável para a parte que impugna tal reconhecimento, se o tribunal estrangeiro que proferiu a sentença tivesse aplicado o direito material português.

Isto, desde que, a questão controvertida e, de acordo com as normas de conflito da lei portuguesa, devesse ser solucionada de acordo com o direito material português.

Pense-se num caso em que dois portugueses, casados em Portugal, no regime da comunhão de adquiridos e que, na vigência do casamento, foram viver para os Estados Unidos da América, aí tendo acabado por se divorciar e, tendo no âmbito desse divórcio, acordado que a casa de que ambos eram proprietários em Portugal, adquirida após o casamento, seria adjudicada à cônjuge-mulher, a qual assumia também a responsabilidade por todos os encargos com a mesma e sem qualquer pagamento de tornas ao cônjuge marido, tendo este acordo sido homologado por decisão do tribunal americano.

A um eventual pedido de reconhecimento desta sentença estrangeira em Portugal, poderá o ex-marido opor-se, impugnando tal pedido, com base no argumento de que, à luz do direito material português (aplicável por força das normas de conflito previstas no Código Civil português), a solução da questão da partilha dos bens seria sempre mais favorável para si, na medida em que, por força do princípio da imutabilidade do regime de bens, previsto no artigo 1714.º do Código Civil, a partilha teria sempre que respeitar a regra da metade, pelo que, nunca poderia ser o bem adjudicado à mulher sem a fixação de uma compensação económica a favor do ex-marido.

Assim, se é verdade que, em regra, as decisões proferidas por tribunais estrangeiros que, para produzir efeitos, careçam de ser revistas e confirmadas pelo tribunal português, não são objeto de qualquer verificação quanto ao mérito das mesmas, há que ter presente que, quando uma das partes tenha nacionalidade portuguesa, poderá ser recusada a revisão, com base na solução de mérito que à questão seria dada pela aplicação do direito português, o que não é a mesmo que dizer que o Tribunal da Relação, dará uma diferente solução.

Significa apenas que aquela sentença não vai produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa, ou seja, no exemplo dado, o acordo de partilha do imóvel, apesar de ter sido homologado por uma decisão proveniente de um tribunal americano, poderia ter que ser novamente pedida em Portugal, uma vez que a partilha do imóvel não está feita na ordem jurídica portuguesa e o reconhecimento da sentença poderá será recusado.

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