França: a Nova Frente Popular salvou Macron

A França conteve a direita populista radical e uma maioria que parecia estabelecida há um mês perdeu. Macron salva a pele, numa jogada arriscadíssima em que podia ter corrido tudo mal.

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O passe de xadrez que Emmanuel Macron desencadeou na noite eleitoral das europeias, quando se viu derrotado pelo partido de Marine Le Pen - o de marcar eleições legislativas antecipadas -, parecia, nos últimos dias e segundo as últimas sondagens, um salto para o abismo.

Afinal, a decisão acabou por baralhar o sistema político francês, colocando o Rassemblement de Le Pen em terceiro lugar. Le Pen hoje está mais fraca do que estava a seguir às europeias; Macron está mais forte, com o seu partido à frente do Rassemblement. A grande vitória é da inesperada Nova Frente Popular.

Inesperadamente, Emmanuel Macron foi salvo por uma capacidade-relâmpago das várias esquerdas de se unirem em curto espaço de tempo sob o estandarte de Nova Frente Popular (numa reminiscência da Frente Popular de 1936, de Léon Blum), que conseguiu um programa comum em tempo recorde. Uma magnífica ironia.

Jean-Luc Mélenchon veio reivindicar a vitória e a derrota de Macron – “tem que se curvar perante os resultados” –, mas a vitória da Frente Popular não é necessariamente uma derrota, ou uma derrota tão violenta, do partido de Macron. Em suma, Macron arriscou a roleta russa e ganhou (com a ajuda da Frente Popular) ao afastar para terceiro o partido de Le Pen.

Mas o partido de Macron não tem só uma vitória relativa por ter ficado em segundo, à frente de Le Pen, com a Frente Popular sem conseguir maioria absoluta. Gabriel Attal – o primeiro-ministro francês, que se demitiu a seguir aos resultados, reconhecendo a derrota – foi fundamental para que o partido de Macron aceitasse as listas cruzadas (a Frente Popular não se candidataria nas circunscrições onde o Ensemble fosse mais forte e vice-versa) quando havia, e houve, muitos candidatos equidistantes entre Marine Le Pen e a Frente Popular. Um deles era o antigo primeiro-ministro Édouard Philippe.

Não vão ser fáceis as negociações para a formação de um novo governo. É óbvio que o primeiro-ministro deve sair da Frente Popular (que não seja Mélenchon, que foi devidamente resguardado durante a campanha, pelo menos nos debates).

A França conteve a direita populista radical e uma maioria que parecia estabelecida há um mês perdeu. Macron salva a pele, numa jogada arriscadíssima em que podia ter corrido tudo mal.

Podemos tirar lições da vitória da Nova Frente Popular em França para as eleições legislativas nacionais? Para as autárquicas, quer de Lisboa, quer do Porto, parece óbvio que sim.

Em termos nacionais, a situação é totalmente diferente da de França. Macron, um ministro de Hollande, matou (não matou sozinho) o Partido Socialista francês e inventou o movimento populista “En Marche”, que não era nem de esquerda nem de direita.

Os socialistas franceses estão agora a recuperar, muito devagarinho, terreno. Em Portugal, por enquanto, não é minimamente expectável o desaparecimento do PS e, até ver, André Ventura não terá – pelo menos tão cedo – forças para ser o partido mais votado. As circunstâncias são tão diferentes que replicar em Portugal a Frente Popular (contra a AD) pode não ser necessariamente útil. E a AD não é o partido de Marine Le Pen.

Agora, o que não vai ser possível é deixar ao Chega o papel de principal partido da oposição. Tudo o que contribuir para deixar os “exaustos e ofendidos” nas mãos da direita radical é um péssimo serviço ao país.

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