Lições de França: o “extremo centro” e a extrema-direita

Foi o “macronismo” e os seus percursores que escancararam as portas para a extrema-direita.

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Megafone P3: Lições de França: o "extremo centro" e a extrema-direita Nuno Ferreira Santos
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As eleições legislativas em França mostram que a extrema-direita, outrora marginalizada pelo estigma, está hoje absolutamente normalizada e é capaz de alcançar uma força maioritária. A grande força desta família política num dos países do centro europeu é preocupante e terá certamente efeitos de contágio. Como chegámos até aqui?

A subida galopante da extrema-direita é o espelho do declínio do "macronismo". Apesar da aparente novidade, o movimento de Macron é de continuidade com as administrações anteriores do ponto de vista das políticas concretas. A oscilação entre o centro-direita e o centro-esquerda nas últimas décadas não tem levado a uma mudança de políticas, mas antes a uma convergência perniciosa em torno do neoliberalismo – situação com óbvios paralelos com Portugal.

Para o eleitorado, a impressão é de que, independentemente de quem governa, nada muda. Com o passar do tempo, os serviços públicos são deteriorados, os salários estagnam, o poder de compra diminui, o trabalho é desprotegido e as desigualdades aumentam. O desespero do quotidiano e o sentimento de impotência do voto, de inexistência de alternativas e soluções, formam um cocktail perverso de desconfiança em relação ao sistema e de sedução por apelos extremistas.

É esta a grande doença das democracias contemporâneas que vitima agora o povo francês com um rude golpe. Os partidos do centro que tradicionalmente alternam no poder tornam-se indistinguíveis e convergem num programa contra as classes populares. As ideias do neoliberalismo são tidas como parte da ordem natural das coisas, inquestionáveis e acima de qualquer ideologia, que todos os governos seguem no essencial com pequenos ajustes. A deliberação e as alternativas democráticas são removidas da esfera do político. É esta a natureza da era da "pós-democracia", termo cunhado por Chantal Mouffe, que cria terreno fértil para a extrema-direita.

No entanto, não existem projectos não-ideológicos. Assim voltamos a Macron. O balanço da sua era é marcado por enormes cortes nos impostos aos mais ricos, reformas laborais radicais que favoreceram o recurso a contratos precários e facilitaram o despedimento, desinvestimento nos serviços públicos e canalização de recursos para privados, cortes em prestações sociais essenciais como o subsídio de desemprego e o aumento da idade de reforma.

O Presidente que se apresentava acima do eixo esquerda-direita acaba por executar um programa neoliberal, de direita e em favor das classes abastadas. Macron aprofundou o caminho de precarização do emprego, enfraquecimento dos serviços públicos, estagnação salarial e diminuição da qualidade de vida.

A insatisfação profunda é depois aproveitada por oportunistas políticos de extrema-direita que, com uma retórica virulenta e disruptiva, catalisam o desespero, apresentando bodes expiatórios fáceis, sem de nenhuma forma questionar a ordem vigente nem propor políticas diferentes do "centro liberal".

Por aqui se explica muito do seu sucesso. A paisagem política e mediática onde impera o senso comum neoliberal não tem dificuldade em normalizar estes partidos, pois não colocam em causa as suas ideias e estruturas de poder. O ideário racista, ultraconservador e autoritário é inicialmente contestado, mas depois gradualmente assimilado pelos partidos mainstream e incorporado pelas narrativas mediáticas. Porquê? Estas ideias são perfeitamente compatíveis com a ordem vigente e não colocam em causa o funcionamento irrestrito dos mercados, a construção europeia, a enorme concentração de riqueza nos mais ricos – que, já agora, detêm os meios de comunicação social.

Já a esquerda é considerada equivalente e igualmente extrema, sendo estigmatizada e silenciada pela comunicação social e adversários políticos. Disto sofre a Nova Frente Popular. Defender a Palestina é "anti-semita". O aumento do salário mínimo é tão extremo como defender a deportação de imigrantes. Taxar os super-ricos leva certamente à ruína económica. Querem convencer-nos ainda que é a esquerda que alimenta extrema-direita! A esquerda tem certamente responsabilidades por não ter conseguido capitalizar o descontentamento popular. Mas seria desonesto não reconhecer que foi o "extremo centro" que, com as suas políticas, criou as condições para a ascensão da extrema-direita e depois lhe estendeu a passadeira da normalização. Saibamos aprender com França e também retirar as devidas lições à esquerda.

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