Lembra-me um sonho lindo

Morreu o criador de todas estas músicas, trilhas sonoras destas emoções e memórias que guardo com muitíssimo cuidado. É este o pedacinho de música que eu entendo.

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Concerto de Fausto Bordalo Dias no CCB Nuno Ferreira Santos
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Foi no Alentejo, à conversa com um amigo, que ouvi o Fausto pela primeira vez. Esse amigo, longínquo descendente de Fernão Mendes Pinto (quem sabe se não seremos todos?), convidou-me a ouvir um álbum inspirado no épico deste seu tio renascentista, Peregrinação.

Fiquei instantaneamente devoto. Na cara do meu amigo notava-se aquele esgaçar malandro que surge inocente quando acertamos na muche. “Conheço mesmo bem este tipo", pensou, certamente. Por este Rio Acima foi o álbum daquele meu Verão, quando os verões ainda duravam dois meses e quando tínhamos o privilégio de sentir saudades de casa.

Cruzei a ponte 25 de Abril pela última vez naquelas férias, antes de as aulas começarem, com o Fausto a lembrar-me "que bela vida era a de Lisboa”. E, nessa altura, era mesmo. No ano seguinte, este mesmo amigo, agora transformado em melhor amigo, convidou-me a passar uns dias em São Martinho do Porto.

Numa tarde, depois das corridas das barcas, um "local" do nosso grupo conseguiu “pegar emprestada” uma embarcação de pescador para tentarmos a nossa sorte em passar a barra. Fizemos a baía ao som de Navegar, navegar e, tal como Fernão Mendes Pinto, o nosso sucesso marinheiro foi modesto. Nesse barco estavam dois novos amigos que se percebia estarem silenciosamente apaixonados um pelo outro. Hoje estão noivos. Para o ano estarão casados.

No Verão que se seguiu, passei os dias em Aljezur com a família de uma namorada com quem não casei. Descíamos a ria que dava para o mar, quando nos apercebemos que as marés precipitavam a canoa incautamente para as rochas. Com um salto devoto e muito esforço da tripulação, conseguimos puxar a barca para o areal, perdendo apenas um remo para o Miserável Naufrágio que Passámos.

Morreu o criador de todas estas músicas, trilhas sonoras destas emoções e memórias que guardo com muitíssimo cuidado. É este o pedacinho de música que eu entendo, o pedacinho que cristaliza as coisas no tempo e que nos faz voltar lá de vez em quando.

Ontem estas memórias fizeram questão em chegar todas de uma vez (sacanas), quando como em gesto de homenagem, passei o dia a circular os álbuns do alquimista musical que foi Fausto Bordalo Dias. E senti pela primeira vez uma coisa que as suas músicas nunca me tinham feito sentir. Senti-me triste.

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