Em Angola – “Por este rio acima”

A condecoração, com que em 1994 o Presidente Mário Soares o agraciou, de oficial da Ordem da Liberdade, é o corolário do que Fausto sempre foi – um homem livre que cantou pela liberdade.

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Não o sabia doente e engoli em seco após a leitura da notícia que me chegou pelo ecrã do computador, de manhã, quando o abri.

Revi-me e revi-o nos anos 60 do século passado, no bairro académico da então cidade de Nova Lisboa, atual Huambo, Angola, a ouvir os ensaios dos Rebeldes, primeiro conjunto musical que criou com outros jovens, entre os quais um seu irmão.

Nessa altura, ambos com 17 anos, o imaginário das novas gerações navegava pela criatividade de sons de novos ritmos musicais, surgidos em concertos de quatro jovens, numa caverna de Liverpool.

Eram estes quatro jovens que compunham as letras e as musicas das canções.

Tal como Fausto já então o procurava fazer nos Rebeldes.

Adotou o nome de Fausto, mas o seu nome era Carlos Fausto Bordalo Dias.

Todos os 12 discos que o divulgaram nasceram da fronteira comum dos países de língua portuguesa – os oceanos.

Não admira.

Fausto nasceu a bordo do navio Pátria, numa viagem entre Portugal e Angola.

Ainda muito criança, sobreviveu a uma doença muito grave, graças ao diagnóstico de um veterinário, conhecedor de doenças tropicais e outras maleitas.

No disco a que deu o nome de A preto e branco, Fausto não podia deixar de ter uma faixa com uma poesia de Alexandre Dáskalos, o veterinário que sempre se assumiu angolano, de ascendência grega. Nos anos 50 do século passado foi dos primeiros a erguer a bandeira da independência de Angola. Ficaria feliz se soubesse que um dia Fausto daria ao disco que tem uma canção com um poema seu o título de “A preto e branco”.

Com naturalidade, sempre com uma postura reservada, distanciada dos holofotes, Fausto haveria de ressurgir com a reconquista da liberdade, em Abril, depois de ter recebido o primeiro prémio revelação da Rádio Renascença.

Ressurgiu porque as letras que escreveu e as musicas que compôs cantam a alma do que somos, resultado de encontros seculares de culturas.

A canção Por esse rio acima, de 1982, ao invadir as margens com base na língua universal que é o português, é a que mais me toca.

Os seus discos são indissociáveis do sabor da liberdade que cantou logo nos princípios de Abril, com Vitorino, Zeca Afonso, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e outros.

A condecoração, com que em 1994 o Presidente Mário Soares o agraciou, de oficial da Ordem da Liberdade, é o corolário do que sempre foi – um homem livre que cantou pela liberdade.

No final do segundo mandato da Presidência de Mário Soares e sendo eu membro da sua Casa Civil, coube-me co-organizar a sua última viagem oficial a Angola e Fausto foi nela integrado.

Chegámos a idealizar um concerto no Huambo, navegando “por esse rio acima”, em memória dos Rebeldes.

Esteja onde estiver, iremos realizá-lo.

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