Recusa de trabalho que o subsídio de desemprego incentiva?

Olhando para as condições de elegibilidade, cobertura, duração e montantes (taxa de substituição face ao salário perdido), a verdade é que o nosso sistema não é excessivamente protetor.

Ouça este artigo
00:00
04:05

O Governo prepara-se para alterar as regras do subsídio de desemprego. O objetivo declarado é “evitar que em Portugal possa haver situações em que quem não trabalha tenha rendimentos dados pelo Estado que favoreçam a situação de se manter como está em vez de fazer procura ativa de emprego e de trabalhar”.

Entre as razões de fundo para a mudança parece estar o temor de que as atuais regras de proteção contra o risco de desemprego incentivam o desemprego voluntário. Trata-se de uma desconfiança que, na verdade, nunca desapareceu, e que, além disso, assenta numa distinção perigosa entre "bons" e "maus" desempregados.

Historicamente, o desemprego tem sido pensado e construído enquanto categoria enraizada nas sociedades modernas, abrindo caminho para direitos. Vejamos sinteticamente alguns aspetos sobre os quais importa ponderar.

Desde logo, a “invenção” do desemprego há muito rompeu com a ociosidade e a vadiagem, estabelecendo quem tem direito a receber apoio. A evidência entre nós é a de que nem todos os desempregados – muito longe disso – estão cobertos por qualquer subsídio de desemprego. Porque o prazo de concessão cessou, ou porque nem sequer formaram esse direito, por via do número mínimo de meses de contribuições para a segurança social (prazo de garantia), como é o caso de muitos trabalhadores temporários, precários ou informais.

A realidade quotidiana de todos os excluídos do mercado de trabalho não é a mesma, evolui de acordo com a vontade do poder público e a situação económica. Há, aliás, um grande desconhecimento acerca da população desempregada.

Ciclicamente, alguns governos tendem a prestar maior atenção ao desincentivo ao trabalho, supostamente em resultado da concessão de um rendimento de substituição a quem está desempregado. Para ancorar essa maior atenção, reemergem as teorias que sustentam a ideia de que o direito a esse rendimento incentiva os trabalhadores a permanecerem desempregados por mais tempo e a não procurarem ativamente um emprego. Daí até a mudanças destinadas a reforçar as sanções contra os desempregados vai um pequeno passo: seja através de mecanismos mais orientados, porque não se procura ativamente um emprego ou porque não se aceita um emprego considerado conveniente; seja através da aplicação de mecanismos mais genéricos como tornar o subsídio regressivo (diminuição com o tempo) ou rever as condições de elegibilidade, duração e montante.

Atualmente, apesar de a taxa de desemprego ser relativamente baixa, a coexistência de algumas dificuldades de recrutamento e ofertas de emprego não preenchidas pode levar a considerar que esta é a prova de uma recusa de trabalho que o subsídio de desemprego supostamente incentiva. Contudo, a questão é bem mais complexa. Sem enquadramento, é sempre arriscado comparar mercados de trabalho, mas podemos sempre confrontar sistemas de subsídios de desemprego à escala europeia. Olhando para as condições de elegibilidade, cobertura, duração e montantes (taxa de substituição face ao salário perdido), a verdade é que o nosso sistema não é excessivamente protetor.

O subsídio de desemprego não deve ser nem demasiado generoso ao ponto de criar um desincentivo ao retorno ao trabalho, nem muito reduzido, porque obriga o desempregado a aceitar qualquer emprego e a ser mal remunerado. Esta situação não é favorável nem para os desempregados nem para os empregadores, porque contratar alguém cuja única ideia é sair o mais rapidamente possível para encontrar um emprego melhor e mais bem remunerado não é uma situação que se possa desejar.

É importante um justo equilíbrio que não empurre os desempregados, em particular os de longa duração, para empregos sem qualidade, baixos salários, enfim, para qualquer emprego, à luz do princípio armadilhado de que é melhor um mau emprego do que emprego nenhum. Estas políticas rompem com consensos existentes na nossa política de emprego, e os seus resultados podem ser, no mínimo, ambíguos. Enquanto alguns desempregados até podem encontrar emprego, ainda que mau e mal remunerado, outros ficam completamente fora do radar. Em certo sentido a seletividade do mercado de trabalho entra em contradição com a ideia de que todos os candidatos a emprego podem encontrar um emprego rapidamente.

Políticas públicas e empresariais destinadas a valorizar o trabalho e as profissões, a puxar pelos salários, a manter e atualizar competências, a antecipar a desqualificação e a reconversão profissional produziriam, sem dúvida, efeitos menos perversos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar