Quinta de Ventozelo. Vêm aí vinhos de parcela e “experiência nas copas das árvores”

Ventozelo foi comprada há dez anos pela Granvinhos, que recuperou a quinta, tornou-a mais sustentável e ali abriu um hotel. E agora? Vêm aí os vinhos de parcela e experiências “na orla da floresta”.

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A Granvinhos, então chamada Gran Cruz Porto, já transformava as uvas de Ventozelo desde 2011. Há dez anos, a adquiriu a quinta à espanhola Proinsa. Nelson Garrido
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Foi há dez anos que a Granvinhos, a maior empresa exportadora de vinho do Porto, comprou a Quinta de Ventozelo. Nesse período, recuperou a propriedade, tornou-a mais sustentável, construiu marcas e abriu um hotel ímpar na região. Sobretudo, adquiriu "conhecimento", como diz Jorge Dias. E agora? Agora, que o portefólio da quinta já inclui espumante e vinho do Porto, há que "começar a produzir vinhos de parcela". E, na vertente turística, explorar "a orla da floresta", com "uma experiência com casas nas copas das árvores".

Então denominado Gran Cruz Porto, o grupo detido pelos franceses da La Martiniquaise e que por cá tem outros investimentos no sector do vinho, nomeadamente no vinho Madeira e nos vinhos verdes — em concreto no vale do Lima, de onde está em vias de sair um primeiro vinho —, já transformava as uvas da quinta de Ventozelo desde 2011. O propósito de concretizar o potencial da propriedade, uma das maiores e mais antigas quintas do Douro, está lá desde o primeiro momento. E isso, na concepção do grupo, far-se-ia salvaguardando a riqueza dos habitat naturais ali existentes e fomentando a biodiversidade na quinta.

A compra de Ventozelo à espanhola Proinsa, no final de 2014, significava para a Gran Cruz, hoje Granvinhos, detentora de marcas como a D'Alva e a Porto Cruz, a possibilidade de passar a produzir vinhos com as suas próprias uvas e de entrar no segmento da alta qualidade, ao invés de se ficar apenas pelo volume.

São 31 as referências que hoje têm berço na quinta, com José Manuel Soares à frente da enologia. Cerca de metade são vinhos monovarietais, há um espumante de método clássico, lançado recentemente, dois vinhos do Porto — um vintage, um Late Bottled Vintage; e quase, quase a sair um tawny 10 anos — e dois dos tais "vinhos de parcela" — o Vinha do Colmeal (Touriga Nacional) e o Vinha da Serra (Touriga Franca). "Na parte enológica, estamos todos os anos a aprofundar o nosso conhecimento", começa por atirar o administrador Jorge Dias. "É evidente que agora já há pouco para fazer de novo, não é?", continua o gestor, que já leva 15 anos de Granvinhos e antes esteve no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e no Governo.

Dizer quer há pouco para fazer será força de expressão. Mas que os vinhos da quinta revelam ser especiais, isso revelam. Uma prova recentemente promovida pelo produtor — com uma vertical do Quinta de Ventozelo Viosinho (2014 a 2023) e do Quinta de Ventozelo Essência (tinto, 2014 a 2019) — permitiu perceber que alguns dos primeiros vinhos estão em grande forma e que o terroir da quinta dá origem a vinhos frescos, elegantes e que perduram.

"Mas há os vinhos do Porto de Ventozelo", retorquimos. "Há os Portos, sim. E queremos começar a produzir vinhos de parcela. Porque, à medida que se aprofunda o conhecimento, conseguimos gerir melhor [o património vitícola]." Os dez anos foram então uma espécie de prelúdio para o sonho. E depois de, logo nos primeiros anos, ter reconvertido 38 hectares de vinha — encepamento, sistema de instalação e forma de condução —, de em 2019 ter aberto o Ventozelo Hotel & Quinta, que o grupo descreve como "o Douro numa quinta", e de há três anos ter formalizado um plano de gestão dos ecossistemas, biodiversidade e agro-ecologia da quinta, chegou a hora de fazer "grandes vinhos".

"Costumo dizer que a diferença entre fazer um vinho e um grande vinho é um somatório de inutilidades. Portanto, nós agora andamos à procura de cada uma das inutilidades, porque elas no seu conjunto fazem a diferença", partilha Jorge Dias, em conversa com o PÚBLICO. Traduzindo, havia em Ventozelo tanto por fazer que não se podia começar pelo telhado. E só agora a visão pode afunilar mais.

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Jorge Dias é administrador da Granvinhos, onde está há 15 anos; antes passou pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e pelo Governo Nelson Garrido

Aprofundar a experiência de enoturismo

Havia e continua a haver, uma vez que na quinta ainda há "património [edificado] para reabilitar". O hotel actualmente com 29 quartos, nesta altura do ano lotado e com procura elevada por parte dos estrangeiros que visitam o Douro, nasceu da reabilitação de sete edifícios espalhados pela quinta, que se encontravam em ruínas, entre eles dois antigos depósitos de vinho em betão que viraram alojamento, numa intervenção arquitectónica respeitadora da sua memória. Ao todo, foram recuperados, na verdade, 11 edifícios.

Num deles nasceu um centro interpretativo da região, aberto ao público em geral, por onde já passaram mais de 16 mil visitantes, além dos hóspedes do hotel (25 mil desde a abertura). Noutros, funcionam a Cantina, o restaurante farm-to-table, onde o chef José Guedes assina uma cozinha de conforto com produtos da época, saídos da horta de produção biológica ou de uma qualquer permuta de bens com os vizinhos ali à volta, e a Mercearia de Ventozelo, a loja de onde é possível trazer os vinhos da quinta, mas também outras "recordações", como o gin feito com oito botânicos extraídos na propriedade, o azeite, as infusões, marmelada ou fruta fresca.

Apesar de haver mais edifícios para recuperar (e mais: "Num hotel destes, todos os anos se tem de intervir"), é na floresta que a gestão da quinta vê surgir a próxima experiência de enoturismo. "Do ponto de vista da oferta hoteleira, queremos melhorar as experiências. Alargar as experiências que as pessoas podem ter connosco. E uma das coisas em que estamos a pensar é permitir-lhes ficar na orla da floresta. Vamos pedir um estudo para, na parte baixa da quinta, mais junto ao rio [Douro], mas já dentro da floresta, podermos ter ali uma experiência com casas nas copas das árvores. Nem totalmente metidas no chão, nem totalmente penduradas, mas mais ou menos a meia altura, porque o terreno ali também é inclinado."

Os cerca de 200 hectares de vinha começam na margem do Douro, na cota dos 100 metros de altitude, e estendem-se até aos 500 metros e ao longo da ribeira de Ervedosa, o que permite ter parcelas de vinhas com todas as exposições a diversas altitudes, com gestão a cargo do viticólogo Tiago Maia. Com expressão, estão plantadas na quinta dez castas tintas (90% da área total de vinha) e oito brancas (10%), com particular enfoque em Touriga-Francesa, Tinta Roriz e Touriga Nacional, que representam mais de 50% do encepamento. Há ainda uma colecção ampelográfica com cerca de 54 castas, plantada em 2005.

As vinhas têm todas cobertos vegetais com flora autóctone espontânea ou por sementeira de mistura de leguminosas e gramíneas, que ajudam a reter a água nos solos e se constituem também como abrigos da biodiversidade e auxiliares no combate a pragas e doenças. A redução de utilização de herbicidas em mais de 30% também fomentou o reaparecimento de espécies autóctones, que há muito não se viam. Foi promovida a recuperação de habitat naturais nas galerias ripícolas e a viticultura tem vindo a reduzir o recurso a agro-químicos.

Que diversidade é essa? Foram identificadas um total de 224 espécies de flora e mais de 20% dessas espécies estão caracterizadas como raras, endémicas, localizadas, ameaçadas ou em perigo de extinção (RELAPE). Existem em Ventozelo também 185 espécies de fauna, parte delas espécies quase ameaçadas ou consideradas criticamente em perigo. A paisagem de Ventozelo esconde ainda um importante reservatório de carbono, nota a Granvinhos que a quinta tem "um stock de carbono de 275 toneladas, que é incrementado anualmente com o sequestro de 1,5 toneladas de CO₂ adicionais", caminhando "para a neutralidade carbónica da exploração".

Em 2021, a empresa reactivou a Associação Amigos de Ventozelo e apresentou um projecto cultural que incluía seis exposições de artistas plásticos que se debruçariam sobre a região do Douro — falta uma, a do artista “under forty” indicado por Paulo Neves, escultor que assinou uma das mostras — e a realização de seis Conversas em Ventozelo sobre o futuro colectivo da região (o PÚBLICO editou cadernos que sumariam essas reflexões, quatro até à data).

O investimento da Granvinhos na quinta duriense, nos últimos dez anos, ascende a 15 milhões de euros. Um quarto desse valor foi investido em agricultura e ambiente e 75% foi para o desenvolvimento do enoturismo.

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