Paris já se prepara para os Jogos Olímpicos, mas nem por isso menospreza um dos seus emblemas: a moda. Na Semana da Alta-costura, antecipada por conta da preparação para o grande evento mundial, a moda também não ignorou o desporto e mostrou-se actual, mantendo a excelência da construção e da criatividade que lhe são apanágio. Da ausência de Virginie Viard no desfile da Chanel à Schiaparelli mais sóbria, eis os cincos desfiles que se destacaram no certame, a encerrar nesta quinta-feira.
Uma Dior mais atlética
A menos de um mês para o arranque dos Jogos Olímpicos, foi Maria Grazia Chiuri a marcar o início da semana de alta-costura precisamente com uma homenagem aos atletas que, “desde a antiguidade até aos dias de hoje, superaram preconceitos e obstáculos para garantir a igualdade de condições nas competições desportivas”, explicou a casa de moda em comunicado.
Mas como é que se faz uma homenagem ao desporto numa colecção de alta-costura, em que o luxo atinge o seu apogeu com os melhores materiais e a excelência da construção? Pode ser sido essa a questão que pairou na mente da directora criativa da Dior nos últimos meses, mas a italiana parece não ter tido medo de abraçar uma assinatura renovada, entre o desportivo e o ultra-feminino.
A aposta esteve novamente nos materiais com as malhas, tradicionalmente usadas em peças casuais, a construírem vestidos drapeados numa peça só. Para adicionar o elemento de elegância que se espera de uma colecção de alta-costura, as malhas foram tecidas com lurex para adicionar algum brilho e também não faltaram lantejoulas ou franjas metalizadas, numa paleta de cores entre a oscilar entre o branco, o cinza e o dourado.
Alguns vestidos assimétricos, repletos de movimento, foram uma alusão literal ao vestuário da Antiguidade Grega, onde nasceram os primeiros Jogos Olímpicos. Outras peças abraçaram o lado desportivo, como os decotes tank, associados normalmente aos uniformes dos atletas, tal como os mini-calções, que aqui ganharam lantejoulas.
O cenário da sala — sempre um dos pontos altos de qualquer desfile da Dior — foi repleto de mosaicos de atletas das várias modalidades, incluindo muitas mulheres, uma vez que o feminismo é uma das causas de Maria Grazia Chiuri enquanto directora criativa. O exterior do pavilhão montado nos jardins do museu Rodin foi coberto com os padrões da artista Faith Ringgold, onde se lia Free Woman (libertem a mulher, em tradução livre).
Chanel sem Virginie Viard
A contratar com a leveza da Dior, a Chanel trouxe drama para a alta-costura, numa colecção assinada apenas pela equipa de design e sem a liderança criativa de Virginie Viard, que saiu recentemente da casa fundada por Coco Chanel.
Nos corredores do Palais Garnier, a maison quis trazer uma nova experiência de ópera numa azáfama de penas, veludos, tules e tafetás, com o maximalismo que é apanágio da assinatura Chanel. As manequins, todas a desfilarem com enormes laços na cabeça, usaram os clássicos fatos em tweed adornados com pedraria ou até transformados em vestidos de noite.
Não faltaram volumes em tafetá, com o desfile a abrir com uma enorme capa em preto com uma gola estilo vitoriano combinada com um pequeno macacão bordado com pérolas. Por fim, a Chanel cumpriu a tradição da alta-costura e fechou com uma noiva estilo anos 1990, com uma saia rodada em tafetá, mangas dramáticas e o corpo do vestido com dezenas de rosas (ou camélias, um dos símbolos da Chanel).
Virginie Viard já não esteve presente no desfile que trouxe de volta alguns dos códigos do muito aclamado Karl Largerfeld, que esteve à frente da Chanel até à sua morte, em 2019, como as pérolas ou os laços. Ainda não se sabe quem a irá suceder com as maiores apostas a recaírem em Hedi Slimane (Céline), Pierpaolo Piccioli (ex-Valentino) ou Sarah Burton (ex-Alexander McQueen).
O vestido solúvel da Balenciaga
“Para ser sincero, ninguém precisa de alta-costura”, declara Demna Gvsalia. “Para mim, é uma experiência com roupas”, insiste o director criativo da Balenciaga, deitando por terra tudo o que Cristóbal Balenciaga pode ter imaginado para a casa de moda que fundou. O costureiro catalão, que se imortalizou pelos cortes inventivos e românticos, detestava a ideia do pronto-a-vestir e fechou a etiqueta com o crescimento da moda mais rápida.
Paradoxalmente, a moda efémera parece ser precisamente o que mais interessa ao polémico criador georgiano, que fechou o desfile com um vestido solúvel com 47 metros de “tecido” que se desfez pouco depois. “Meia hora antes do desfile este vestido não existia”, dizia, nos bastidores, antes do espectáculo desta quarta-feira.
A ideia de uma peça que desaparece é um contraste com a visão da alta-costura em que normalmente se noticiam as centenas de horas que um coordenado demorou a executar. Contudo, Demna defende que também ele sabe fazer esse tipo de arte com tempo e apresentou T-shirts pintadas à mão pelo artista Abdelhak Benallou, que evocavam a estética das bandas de rock, mas com membros do atelier da Balenciaga a serem desenhados.
Nos vestidos de noite — longe do que tem levado ultimamente para a passadeira vermelha, como vestiu Carey Mulligan nos Óscares — transformou sacos de plástico derretidos num tecido ou fez uma saia rodada apenas com casacos antigos, numa aposta na sustentabilidade. A acompanhar, todos os modelos usaram chapéus, ainda que Gvasalia tenha feito uma declaração de interesses: “Odeio chapéus. São um objecto inútil, mas são importantes para completar uma silhueta.”
Schiaparelli menos "instragramável"
Daniel Roseberry já transformou as manequins em animais da selva ou levou um bebé robô para a passerelle, levando a Internet à loucura. Mas quando as atenções se deslocam mais para o espectáculo do que para as criações, pode ser altura de dar um passo atrás e foi isso que o director criativo da Schiaparelli fez nesta estação.
Roseberry manteve-se fiel à visão surrealista da fundadora Elsa Schiaparelli e homenageou o amor da criadora italiana às penas. Em destaque, uma das silhuetas mais icónicas da casa dos anos 1940, o vestido de penas feito para celebrar a histórica performance da bailarina Anna Pavlova no bailado O Lagos dos Cisnes. As novas penas foram feitas em metal e usadas como uma armadura.
Os mesmos detalhes metálicos foram utilizados em vestidos opulentos com ombros estruturados. Em contraste, Roseberry também apresentou outras silhuetas mais esguias e elegantes com transparências. As cinturas foram descidas com os volumes a concentrarem-se no final da saia plissada, destacando-se ainda os decotes inventivos, que até incluíram a recriação do famoso chapéu de stiletto, criado em 1937 em colaboração com Salvador Dalí. “As pessoas não compram Schiaparelli, coleccionam-na”, escreveu o criador no descritivo da colecção.
Jean Paul Gaultier por Nicolas Di Felice
Em 2020, o enfant terrible da moda despediu-se das passerelles, mas a etiqueta Jean Paul Gaultier não morreu e continua a ser reavivada a cada estação por um jovem criador — há seis meses foi a irlandesa Simone Rocha. “Não sinto falta. Ainda amo a moda, mas foram 50 anos e não tenho saudades”, dizia Gaultier em entrevista ao PÚBLICO, onde confessava como tem sido entusiasmante ver o seu legado na moda ser reinterpretado.
Desta vez, a tarefa ficou a cargo de Nicolas Di Felice da Courrèges que escolheu abrir o desfile com as modelos de olhos tapados em coordenados pretos que cobriam totalmente o corpo. Lentamente a colecção foi-se abrindo com os pesados tecidos pretos a darem lugar a rendas ou tecidos mais leves e transparentes.
Mantendo o ADN de Gaultier, Di Felice também recorreu aos corpetes, mas numa abordagem bem mais minimalista do que o maximalismo do criador francês. “Não vou mentir isso não é bem a minha praia”, confessou, citado pela Women’s Wear Daily, quando questionado sobre a ausência da típica excentricidade da etiqueta.
Mas Jean Paul Gaultier não se importou e defendeu-o, garantindo que se reconheceu na colecção. “Redigiu os meus elementos à sua maneira e, portanto, modernizou-os. Não espero que as pessoas façam cópias do meu trabalho, senão não faz sentido, certo?”, declarou.
A Semana de Alta-costura termina nesta quinta-feira com os desfiles de Aelis, Ashi Studio, Peet Dullaert, Robert Wun e Ardazaei.