A ânsia da espera
Ao contrário do que se imagina, o “consumismo” não é de agora — a lista de itens indispensáveis para o momento de dar à luz e para os primeiros cuidados da “criatura” de sangue azul era extensíssima.
Querida Ana,
No tempo das minhas rainhas, das mais antigas sobretudo, as mães da nobreza eram encerradas nos aposentos nas semanas antes da data prevista do parto, com tudo a postos para o nascimento. Ao contrário do que se imagina, o “consumismo” não é de agora — a lista de itens indispensáveis para o momento de dar à luz e para os primeiros cuidados da “criatura” de sangue azul era extensíssima. No tempo de Isabel, duquesa de Borgonha e filha de Filipa de Lencastre, por exemplo, a mãe precisava de uma cama de aparato e de uma cama ou cadeira para dar à luz, e o bebé de um berço de pompa e um outro mais ligeiro, que se pudesse colocar junto da lareira, nos dias frios, ambos de preferência de balouço. Recomendavam-se também lençóis bordados com o monograma da mãe e da criança, colchas e até tapetes especiais com as armas da família a que pertenciam, e o aparador — móvel recente que veio completar o uso das arcas — cheio de toda a espécie de panos de enfaixar e de roupinhas para o bebé.
Onde é que quero chegar com isto? À necessidade que temos de fazer o ninho, não só para garantir a sobrevivência da nova cria, mas — desconfio eu — para mitigarmos a ansiedade que inevitavelmente precede este momento tão sobrenatural, no sentido de que é mesmo, mesmo estranho ter um bebé dentro de nós, e mais ainda conseguir pô-lo cá fora, literalmente expulsá-lo por um canal estreitíssimo onde, em boa verdade, não acreditamos que consiga passar (nem depois de já ter passado).
A sério, querida filha, sempre que vejo uma barriga de fim de termo, penso que é muito mais inteligente o método dos ovos chocados cá fora.
Sinceramente, não invejo as mães nesta última fase da gravidez, em que todos os instantes são de antecipação, de escuta, de medo. Faz-se e refaz-se a mala para a maternidade, separando em saquinhos a roupa por dias, mudando de ideias, escolhendo afinal outra, enquanto vamos sentindo os pontapés de um ser humano que não parece minimamente incomodado por quase nos deslocar as costelas, acordamos à noite com pesadelos que nos levam a saltar da cama (onde de qualquer maneira já não temos posição) e pomo-nos a limpar o pó ou, como aconteceu quando te esperava, a tirar caroços às ginjas do jardim para se fazer doce.
Não admira que todas as parturientes quisessem ter perto de si uma jóia milagrosa, uma pedra preciosa com poderes especiais, um amuleto ou uma relíquia, porque é impossível não nos sentirmos tão pequeninas e frágeis perante a prova que aí vem. Mas simultaneamente tão inebriadas de orgulho pela proeza destes nove meses em que “cuidámos” deste bebé, de amor e expectativa.
Ana, é por tudo isto que gosto particularmente das imagens de Nossa Senhora do Ó, sobretudo as do século XIV, pintadas com cores vivas, uma mão levantada em sinal de acolhimento, a outra sobre a barriga proeminente “de onde vem toda a esperança”.
E é a esta esperança luminosa que se juntam os avós, as mães das novas mães, desejosas de ver aquele bebé ao colo das suas filhas, divididas entre o desejo de as poupar ao sofrimento e a consciência de que ainda bem que não podem viver por elas, porque se o fizessem roubavam-lhes também as coisas boas.
Esta carta já vai longa, mas queria só dizer-te que é extraordinário como cada filho, cada neto, é sentido como se fosse o primeiro. O que para aligeirar o melodrama destas linhas todas, que me pus para aqui a escrever, significa que estamos sempre preparadas para cometer os mesmos erros, ou seja encher a nova mãe com os nossos conselhos!
Querida Mãe,
Que carta tão bonita e que traz também consigo a beleza e a força de saber que, desde o princípio dos tempos, as mulheres estão sempre unidas neste ritual de passagem tão assustador, vulnerável, mas também milagroso. Que independentemente das mudanças dos tempos, das posições de dar à luz, do local, independentemente de se é parto vaginal ou cesariana, num hospital público ou privado, se amamentam ou não, todas as mães sentem esta necessidade de fazer o melhor pelos seus bebés.
E, quando nasce esse bebé, nascem também tios, primos, avós e, claro, birras! Porque com tantas mudanças, tanto amor e tanto medo, o ciúme e o receio de já não sermos especiais acentua-se. Mas, para quem está a passar por isto pela primeira vez, é bom relembrar: o amor não se divide, multiplica-se!
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990