A importância da valorização da carreira docente

Os professores passaram a ser vistos como os responsáveis pelos níveis de sucesso de cada aluno e da escola e a competição entre escolas começou.

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"Se por um lado o Estado autonomiza, por outro, avalia a performance, à saída" Tiago Bernardo Lopes/Arquivo
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A recuperação do tempo de serviço que aconteceu em meados de Maio, pelas mãos do ministro da Educação Fernando Alexandre, contribui para o reconhecimento do valor da carreira docente. No entanto, não é mais do que repor aquilo que nos tinha sido tirado: tempo de vida dedicado à profissão, tempo de carreira.

É uma ação que contém dois significados: se por um lado repõe o que estava em falta; por outro, reconhece o valor da profissão e por assim dizer, da carreira. Ao longo de anos, ou melhor, ao longo da carreira, os professores foram sendo alvo de múltiplas reestruturações e reformas através das quais lhe foram impostas novas especificidades na sua ação, que acarretaram mais burocracia para o seu trabalho e a necessidade de formação contínua para fazer face à diversidade de requisitos a que estão sujeitos, tanto seja ao nível da envolvência humana, como ao nível dos saberes e competências.

O que é um facto é que a profissionalidade docente mudou ao longo das últimas décadas. O modo como se exerce a profissão não é o mesmo. E não foram (apenas) as novas tecnologias que trouxeram mudanças, mas em grande parte as diversas políticas que foram sendo implementadas. As políticas de prestação de contas, ou seja, de accountability, introduzidas na carreira, com diversos níveis de avaliação, desde a observação de aulas para progressão na carreira, até à avaliação externa das escolas trouxeram uma nova perspectiva à profissão, não só para os professores mas também para os diversos atores envolvidos na escola, e que vão dos professores, às famílias, às parcerias diversas, onde se inclui as autarquias e ao Estado.

Os professores passaram a ser vistos como os responsáveis pelos níveis de sucesso de cada aluno e da escola e a competição entre escolas começou. As famílias não querem os seus filhos numa escola, querem naquela escola, porque aquela é uma escola onde estão professores que promovem o sucesso dos alunos.

Estas novas responsabilidades trouxeram novos significados. Primeiro um sentimento de responsabilidade que muitas vezes se confunde com culpa pelas fragilidades e deficiências evidentes, e um navegar sem bússola, em que não se sabe o que se espera de mim, professor. Se por um lado o Estado autonomiza, por outro, avalia a performance, à saída. Os próprios professores têm vindo ao longo dos tempos a encontrar novos significados para a sua vida profissional. Juntamente com a tarefa de alcançar bons resultados, está a responsabilidade pelo sucesso dos alunos. Estas políticas de regulação do Estado sobre a agência dos professores têm impacto na valorização da carreira. Em paralelo, as escolas nas quais os alunos não têm sucesso é porque os professores não lhes ensinam nada e lhes enchem a cabeça com ‘coisas que não interessam’.

Esta nova fase, que esperamos esteja a acontecer, em que a carreira de professor parece ter adquirido, com esta recuperação de tempo de serviço, um significado profissional de valor para a sociedade. A (desconfiança da) sua competência profissional e (o enfraquecimento da) sua autoridade devem ser recuperadas com a colaboração dos professores e dos outros profissionais da educação e não (apenas) pelos demais atores que regulam esta prestação de contas a que os professores já estão habituados.

O STOP e os outros sindicatos souberam trazer para a ribalta e para a agenda do dia-a-dia dos media a necessidade absoluta dos professores serem tratados e reconhecidos valorativamente com a dignidade que lhes é devida.

Apenas uma ponta de expectativa paira no ar: foi esta uma ação isolada e sem continuidade planeada ou existe planeamento para este eixo de ação de valorização da carreira docente? Se existe, que etapas se seguem?


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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