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Nesta ilha “paradisíaca” indonésia, o turismo de massas anda de mãos dadas com a pobreza e poluição
Luís Godinho visitou a “paradisíaca” ilha Gili Trawangan, na Indonésia, onde o sobreturismo e a diversão convivem com a poluição e a pobreza que deles resultam. O turismo de massas compensa?
Banhada pelas águas do Oceano Índico, a ilha indonésia de Gili Trawangan cumpriria, à partida, todos os requisitos para ser adjectivada de “paradisíaca”. E já o foi, no passado. Desocupada até à década de 1970, Trawangan, uma das três que formam o arquipélago de Gili, começou, sob exploração privada, a ser utilizada para o plantio de coqueiros, tendo alguma da área dos seus parcos seis quilómetros quadrados sido atribuída aos trabalhadores.
No início da década seguinte, tudo mudou. O turismo começou a crescer, pela primeira, vez nas ilhas Gili, dando origem a disputas territoriais entre os habitantes e as empresas que desejavam fazer a sua exploração turística – em resultado, inúmeros despejos de habitantes foram accionados entre 1992 e 95. Se, ao longo dos anos, as ilhas Gili Air e Gili Meno conseguiram manter algumas das suas características naturais originais, Trawangan turistificou-se ao ponto de receber, anualmente, mais de um milhão de visitantes.
Entre 2023 e 2024, o fotógrafo açoriano Luis Godinho visitou Gili Trawangan cinco vezes. “Surreal” foi a palavra que o fotógrafo mais verbalizou ao longo da entrevista ao P3. O turismo massificado fez erigir na pequena área de terra cerca de 470 hotéis e 150 restaurantes. “As pessoas passam o dia nas praias, no mar, ou nos hotéis. À noite, a festa é uma loucura.” Os excessos cometidos pelos turistas em virtude dos "consumos excessivos de álcool e drogas" conferem à ilha um ambiente “para além de festivo”, refere o fotógrafo. “Existem programas nocturnos em que os turistas pagam o equivalente a 15 euros e vão, em grupos de 200 ou 300, percorrer os bares da ilha, bebendo shots gratuitos em cada um”, descreve.
O contraste no qual se sustenta o projecto de Luís Godinho, fotógrafo premiado em 2017 pelo concurso Sony Awards, surge quando é percorrida a zona oriental da ilha, onde a concentração de bares e hotéis começa a diluir-se. “Vê-se a miséria em que as pessoas vivem”, nota. A população, em grande parte composta trabalhadores do sector da hotelaria, vive em condições de grande precariedade, morando, por vezes, junto à enorme lixeira que não pára de crescer e que resulta das dez toneladas de resíduos que, de acordo com um artigo de 2018 do jornal The Jakarta Post, são produzidos diariamente na ilha.
“São milhares e milhares de garrafas de vidro e de plástico, embalagens, detritos que resultam da exploração turística”, sublinha o fotógrafo. Os resíduos produzidos nas ilhas vizinhas Gili Air e Gili Meno são transportados para Lombok, uma ilha de maiores dimensões que ficas nas proximidades. O mesmo não se aplica a Gili Trawangan, que produz muito mais lixo e que o retém.
Algumas das fotografias do açoriano natural da ilha Terceira descrevem a grande lixeira a céu aberto onde pessoas colectam resíduos para reciclagem, que trocarão por dinheiro, e onde animais pastam. “As vacas que vemos nas imagens a comer o lixo são para abate e serão carne destinada a alimentação humana”, nota o fotógrafo. O perigo para a saúde pública é iminente, ressalta.
Luís Godinho, formado em Engenharia e Gestão Ambiental, fotografa profissionalmente, por todo o mundo, desde 2017 e centra o seu trabalho em questões ambientais e de direitos humanos. “Na Indonésia, a quantidade de plástico que há nas ribeiras, nos rios, no oceano é enorme. E esse foi um dos motivos que me levou a fotografar este projecto.”
As fotografias de Godinho denunciam a assimetria económica e social entre quem desfruta de uns dias de férias em Gili Trawangan e quem reside e trabalha na ilha. O que acontece na pequena ilha indonésia encontra réplica em muitos lugares do mundo onde o peso do turismo se tornou incomportável do ponto de vista social e ambiental. No fundo, uma questão se levanta: o turismo de massas vale a pena?