A competência internacional dos tribunais portugueses em matéria civil e comercial

As partes, nos contratos que celebram, têm liberdade contratual para escolher o tribunal que pretendem que, em caso de litígio, seja competente para decidir a questão.

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Tribunal Federal de Justiça, em Karlsruhe, na Alemanha RONALD WITTEK/EPA
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O Regulamento 1215/2012, de 12 de dezembro do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na sua versão atualizada (adiante designado por Regulamento), rege os conflitos jurisdicionais resultantes de situações que têm elementos de conexão, seja quanto às pessoas, quanto aos bens ou quanto ao lugar de cumprimento da obrigação que têm conexão com mais do que uma ordem jurídica.

Do Regulamento estão excluídas, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas.

Por aplicação das normas do Regulamento, procede-se à determinação da competência internacional dos tribunais em situações plurilocalizadas, ou seja, com conexão com mais do que uma ordem jurídica, quando estejam em causa matérias civis e comerciais, nomeadamente, contratos entre particulares, entre particulares e empresas e entre empresas.

A regra geral do Regulamento é a de que o tribunal internacionalmente competente para decidir determinado processo em matéria civil e comercial será o tribunal do Estado-membro onde as partes envolvidas se encontrem domiciliadas, independentemente de serem, ou não, nacionais desse mesmo Estado, ou seja, numa situação em que um português domiciliado em França que tenha um litígio com uma empresa francesa, o tribunal internacionalmente competente para conhecer do litígio, de acordo com a regra geral do Regulamento, será o tribunal francês, por ser o tribunal do domicílio.

Existem, contudo, regras especiais no Regulamento que podem determinar que a competência não seja a do domicílio. Por exemplo, tratando-se de um português residente em França, que tenha celebrado um contrato de compra e venda de um conjunto de móveis com uma empresa alemã, a serem entregues em Portugal, o tribunal internacionalmente competente para dirimir um eventual litígio será, de acordo com o artigo 7.º do Regulamento, o tribunal português, na medida em que este artigo tem como critério de conexão para aferição da competência em matéria contratual, o lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, no caso concreto, tratando-se de venda de bens, considera-se que a competência pertence ao tribunal do Estado-membro onde os bens transacionados foram ou devam ser entregues.

Outra regra se aplica se se tratar não de uma venda de bens, mas sim de uma prestação de serviços. Por exemplo, o mesmo português, domiciliado em França, contrata uma decoradora espanhola, para decorar a sua casa de férias em Itália, pelo que, neste caso, o tribunal competente será, nos termos do mesmo artigo 7.º do Regulamento, o tribunal italiano, por ser o tribunal do Estado-membro onde os serviços foram ou deveriam ter sido prestados.

Há, contudo, que deixar a devida nota que as partes, nos contratos que celebram, têm liberdade contratual para escolher o tribunal que pretendem que, em caso de litígio, seja competente para decidir a questão.

Efetivamente, o artigo 25.º do Regulamento, determina que as partes, independentemente do domicílio, podem convencionar que um tribunal de um Estado-membro será o tribunal competente para decidir qualquer litígio que surja no âmbito de uma relação. Este pacto será válido, nos termos do mencionado artigo, a menos que, nos termos da lei do Estado-membro em causa, o mesmo seja substantivamente nulo.

Finalmente, importa ter em consideração que não é possível às partes escolherem o tribunal que pretendem que decida dos litígios emergentes de uma relação contratual nas situações previstas no artigo 24.º do Regulamento, na medida em que as situações aí previstas são situações em que a competência dos tribunais de um Estado-membro é exclusiva, não podendo ser alterada por vontade das partes. É o caso, por exemplo, dos direitos reais ou de arrendamento sobre imóveis, para os quais o tribunal competente será sempre o tribunal do Estado onde o imóvel se situa.

As situações supra mencionadas são as mais comuns e usuais, salientando-se que não esgotam todo o âmbito do Regulamento, o qual estabelece as regras de determinação da competência internacional dos tribunais em muitas outras situações, como sejam, por exemplo, em matéria de seguros, contratos de consumo e outros.


As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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