Na noite da despedida da edição de 2024 do Vinho da Casa, os poemas e as canções de Sérgio Godinho estiveram para lá do que normalmente se associa a um recital ou a um concerto. Numa sala aconchegada e pequena, perante uma plateia reduzida aos produtores e ao público que passou pela Casa, aquele foi outro dos momentos de celebração em que o vinho se envolveu com outras expressões da cultura.
No evento que decorreu no último fim-de-semana no La Destillerie, em Lisboa, os 100 vinhos expostos à prova brilharam, até por serem raros e produzidos por 20 enólogos ou produtores de classe indiscutível; mas foi a relação desses vinhos com os momentos criados pelos produtores quando cantaram, tocaram, cozinharam ou declamaram poesia, ou ainda com a música magistral de Mário Laginha, no sábado, e de Sérgio Godinho, no domingo, que se construiu a memória do Vinho da Casa.
No primeiro andar da casa, onde estavam os produtores com os seus vinhos, os visitantes puderam deambular por cerca de 100 referências de vinhos de todo o país e dos mais diversos estilos. Após mais de duas horas de provas, a familiaridade e a convivialidade que o vinho inspira instalou-se. No momento do jantar, concebido pelo chef Alexandre Silva, podia já afirmar-se que havia no ar um espírito de comunidade. Foi neste ambiente que decorreram os concertos do enólogo Carlos Agrellos, dos master of wine britânicos Peter Richardson e Susie Barrie, de Mário Laginha e de Sérgio Godinho.
No início de cada um dos três dias do Vinho da Casa, uma masterclass. Uma com grandes vinhos tintos, dirigida pelo master of wine Dirceu Vianna Júnior. No segundo dia, outra de grandes brancos conduzida por Peter Richardson e Susie Barrie. E no domingo, uma prova de vinho do Porto com datas entre 1940 e 1982 com a curadoria do jornalista Manuel Carvalho. Houve ainda tempo para uma conversa com Ricardo Diogo, da Barbeito, iluminada por um Madeira de 50 anos, no qual o enólogo falou do grande vinho da ilha (e do mundo) e deu conta das suas ousadias nas vinhas e nas adegas.
Os enólogos, claro está, estiveram no primeiro plano das festas. Para mostrarem que têm outros talentos para lá da enologia. Paulo Nunes, da Passarella, recitou poesia. Carlos Agrellos, como já se disse, fez prova de saber e inspiração na guitarra. Luís Sottomayor, da Casa Ferreirinha, levou à Casa um sável à marinheiro. Mário Sérgio, da Quinta das Bágeiras, fez ao vivo uma cabidela de leitão. Luís Cabral de Almeida um gaspacho. Pedro Baptista uma tomatada de galinha. E Adrian Bridge, o CEO da Fladgate Partnership, que gere marcas como a Taylor’s ou Fonseca, levou alguns exemplares da sua colecção de copos para organizar uma viagem sobre o acessório indispensável do vinho até à civilização persa.
Como estava prometido, o Vinho da Casa foi mais do que um lugar onde se provam grandes vinhos. Foi um momento para se partilharem experiências e paixões. Com o tal “brilhozinho nos olhos” que dá o título a uma das muitas canções geniais de Sérgio Godinho.