Debates das europeias precisam de lógica Netflix
Não é Netflix no sentido de entreter, porque isso os debates eleitorais conseguem — mesmo os maus. É outra coisa: é não serem repetitivos e serem pensados como um conjunto de episódios.
As televisões — já que são televisões — bem podiam pensar nos debates para as eleições europeias como uma série da Netflix, no caso, de oito episódios.
Não falo da capacidade de entreter, porque isso os debates eleitorais conseguem — mesmo os maus.
Falo de seguirem o esquema clássico das séries televisivas que nos deixam, no fim de um episódio, vontade de ver o seguinte. Falo de o episódio seguinte fazer sentido como peça autónoma (para quem não viu nada antes), mas dar um passo em frente, completar, prolongar e adensar a narrativa e os personagens (para quem viu episódios anteriores). Falo de os debates terem um fio condutor que os una, de uma ponta à outra, com a ideia de que, no fim, os oito têm de funcionar como um todo. Falo de não serem repetitivos. De as pontas que ficam soltas num episódio, serem fechadas noutro. De quem os planeia imaginar que milhares de pessoas vão ver todos os episódios — até porque são poucos. De sabermos que a nova forma de ver televisão permite ver os debates todos de uma vez e que, tal como há “binge-watching” para as séries, há o “binge” para a política. E os debates, mais do que tudo na política, prestam-se a isso.
Mas não.
O que vimos até agora foi o oposto. No 5.º debate, esta terça-feira, discutiram-se temas já discutidos nos primeiros “episódios” — como a guerra e os migrantes — e ignoraram-se temas centrais da política europeia que ainda não foram discutidos.
Para mais, até este 5.º debate, só tínhamos visto os cabeças de lista da Aliança Democrática (AD) e do Partido Socialista, os dois maiores partidos, uma vez. Seria fácil ouvir o que disseram no único debate em que participaram e pôr Sebastião Bugalho e Marta Temido a discutir temas diferentes. Quem viu o debate de 13 de Maio — o 1.º —, ficou a saber o que pensam da guerra na Ucrânia e do Pacto de Migração e Asilo. O que dominou o 5.º debate? O mesmo.
Foi um debate a pensar mais nos jornalistas do que nos eleitores. O problema surgiu no primeiríssimo instante, quando o moderador, Carlos Daniel, da RTP 1, fez a pergunta de abertura. Não sobre um assunto europeu, mas sobre a sondagem que acabara de ser publicada e que dá um empate técnico à AD e PS (31% versus 30%), 15% ao Chega e 5% à CDU.
Ainda na véspera, fora divulgada outra, que deu também empate técnico ao PS e à AD (25% versus 23%), 7% ao Chega e 2% à CDU.
Dos 50 minutos do debate, dez foram desperdiçados nisto. Mas é pior. À chegada à RTP, num comentário de corredor, os candidatos já tinham respondido a perguntas sobre a sondagem e já tinham dito meia dúzia de banalidades na linha do “sondagens são sondagens, vamos continuar a dar o nosso melhor”. Qual o sentido de fazer uma pergunta cuja resposta é conhecida?
Para além disso, no 4.º debate, na véspera, uma pergunta ficara pendurada, mesmo no fim.
— O que podem os seus eleitores esperar do seu posicionamento pró-Ucrânia se o seu partido integra um grupo pró-Rússia no Parlamento Europeu? — perguntou Clara de Sousa, na SIC, a Tânger Corrêa.
Que bonito teria sido se o 5.º debate tivesse começado por aí. O tema foi aflorado e Tânger deixou aberta a hipótese — embora andando para trás e para a frente — de o Chega vir a mudar de família no Parlamento Europeu. Mas sobre o paradoxo, pouco ou nada.
Discutidas as sondagens, sobraram 40 minutos. Desses, talvez metade foram usados com temas já debatidos. E sobraram 20 minutos. O que tirámos daí, nós, eleitores, que estamos a decidir em quem votar e queremos conhecer melhor os candidatos e as suas ideias? Pouco.
A pergunta mais útil foi uma bem simples: “Quais são as comissões em que gostaria de estar?” Se este debate era o esperado frente-a-frente entre Bugalho e Temido — e os dois querem desempatar as sondagens —, ficou clara a diferença entre os dois. De estilo, ideias e prioridades. Bugalho hesitou, mas acabou por dizer que tem “particular afeição por assuntos externos e assuntos constitucionais, por causa do alargamento, que obrigará a Europa a reflectir.” E Temido respondeu: “Aquela em que for mais útil.” Acrescentando que as prioridades do partido são a comissão dos Assuntos Sociais e, dentro dessa, a habitação e os jovens, porque a “habitação é um problema europeu, não dos países”.
Os outros minutos? Uma gritaria de “o sotor está a mentir”, “a sotora está a mentir”, “não, o sotor é que está” — e aposto um anel de ouro em como ninguém reteve o que quer que seja de útil dessa confusão.
Já agora, a CDU gostaria de ir para a mesma comissão do PS e o Chega para a da agricultura e a das pescas.
Este foi o penúltimo debate no modelo a quatro. Na próxima sexta-feira, 24 de Maio, haverá o 6.º debate a quatro; na terça-feira, 28, o 7.º, que inclui os oito candidatos; e no dia 30 são os cabeças de lista dos nove partidos sem representação parlamentar. Esta não-série-que-bem-podia-ser-uma-série acaba a 3 de Junho (das 9h30 às 11h30) com o Debate das Rádios (Observador, Antena 1, TSF e Renascença) com os oito cabeças de lista dos maiores partidos. A campanha começa a 27.
Nota: acrescentado o 6.º debate, a 24 de Maio.