Itália é o país que mais apoia refugiados ucranianos? Números contam outra história
Itália é dos países com mais refugiados ucranianos, mas está no fundo da lista em proporção com a população. Candidato do Chega diz que é dos países que mais apoiam, mas dados europeus desmentem.
A frase
"Itália, um país com um Governo conservador, com Meloni, Selvini, etc., é o país que neste momento mais apoio dá aos refugiados ucranianos" — António Tânger Corrêa, cabeça de lista do Chega às eleições europeias, a 20 de Maio de 2024.
O contexto
Era o quarto debate das eleições europeias de 9 de Junho e juntou à mesa da SIC, esta segunda-feira à noite, quatro cabeças de lista: João Oliveira (CDU), Pedro Fidalgo Marques (PAN), João Cotrim Figueiredo (Iniciativa Liberal) e António Tânger Corrêa (Chega).
Já no fim do debate, e para equilibrar os tempos de antena cedidos a cada partido, a moderadora, Clara de Sousa, confrontou António Tânger Corrêa: como é que o Chega, que se assume pró-Ucrânia, poderá integrar um grupo no Parlamento Europeu que tende a apoiar a Rússia?
Em resposta, o candidato a eurodeputado quis dar o exemplo: "Itália, um país com um Governo conservador, com Meloni, Salvini, etc., é o país que neste momento mais apoio dá aos refugiados ucranianos", afirmou. E concluiu: "O que vai acontecer nestas eleições? O dia 9 vai, de alguma forma, reformular a constituição do Parlamento Europeu em termos de famílias."
"É evidente que nós somos membros do ID [Partido Identidade e Democracia] e digo-lhe já porquê: porque nós — eu ainda não estava no partido e o ID voluntariou-se para nos acolher na família política e nós precisávamos de uma família política", justificou. Questionado sobre se recusaria medidas do ID que visem directamente a Ucrânia, António Tânger Corrêa garantiu que sim: "Completamente."
Os factos
Mas será que Itália é mesmo "o país que neste momento mais apoio dá aos refugiados ucranianos"? O Atlas da Migração, um estudo da Comissão Europeia que tira o pulso à permeabilidade dos europeus ao apoio prestado aos refugiados ucranianos, e a Eurostat colocam outros países à frente de Itália. E há vários dados que o indicam.
Em Março de 2024, o mês mais recente para a qual há dados oficiais, a Alemanha era o país que mais beneficiários ucranianos de protecção temporária tinha: quase 1,3 milhões de pessoas. Itália surge em quinto lugar — abaixo da Polónia, República Checa e Espanha —, com pouco mais de 164 mil pessoas. Portugal contabilizava, há dois meses, 60 mil refugiados ucranianos.
Os italianos também não ficam à frente de outros países caso se façam contas ao número de refugiados por cada 100 mil habitantes — pelo contrário, estão no fundo da lista. Os dados de Março indicam que a República Checa é o país que mais refugiados recebeu proporcionalmente à população: 3365 por cada 100 mil habitantes. São 12 vezes mais do que os 278 refugiados por 100 mil habitantes em Itália, que em proporção só recebeu mais que a Grécia e França. Portugal está na metade inferior da lista, mas com o dobro dos italianos — 573 refugiados por 100 mil habitantes — e a conceder estatuto de refugiado a 71% dos pedidos, a taxa mais alta da UE.
Ainda assim, de acordo com o Atlas da Migração, os italianos são dos que mais consideram que os Estados-membros da União Europeia demonstraram solidariedade para com os ucranianos. Essa era a opinião de 85,5% da população italiana — uma percentagem que só é ultrapassada por um país: Portugal, com 89,9% dos residentes a considerarem que a UE foi solidária para com os refugiados ucranianos. No fundo da lista está a Grécia, com 66,4 %.
O mesmo estudo indica que Itália está entre os países onde o apoio à aceitação de refugiados da Ucrânia mais caiu entre Março e Setembro de 2022 — ou seja, num espaço de cerca de seis meses desde o início da invasão russa. Em Março, 88% dos italianos concordavam com o acolhimento de ucranianos que fugiam da guerra, mas em Setembro a percentagem tinha baixado para 80%.
O veredicto
Itália não é dos países que mais apoio têm prestado a refugiados ucranianos, desde logo porque é dos países da União Europeia que menos ucranianos têm recebido. Uma sondagem à opinião pública também indica que a aceitação para continuar a receber refugiados da Ucrânia baixou ao longo do tempo.