“Nunca pensei ter saudades do SEF”: PCP ouve imigrantes e deixa críticas à AIMA

O deputado António Filipe apelou a que “haja uma grande mobilização dos serviços públicos” à semelhança do que aconteceu com a vacinação da covid-19 para resolver a regularização dos imigrantes.

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Uma delegação do PCP reuniu-se com dezenas de imigrantes na Associação Cabo-Verdiana do Seixal Adriano Miranda
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"Neste momento, os imigrantes, sobretudo, indocumentados ou em processo de renovação de documentos, estão completamente ao abandono e desesperados". É assim que Jorge Nobre, trabalhador independente de 39 anos, cabo-verdiano e português, resume a situação dos imigrantes em Portugal. A residir no país há mais de 20 anos, recebe "diariamente pedidos de ajuda" e diz que todos se queixam do mesmo desde que a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) foi criada: "Não funciona, não atende telefones, não responde a emails".

"Havia um instrumento que funcionava e nunca achei que pudesse ter saudades do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], mas neste momento tenho saudades do SEF", afirmou, num encontro de várias associações de imigrantes na Associação Cabo-Verdiana do Seixal, organizado pelo PCP, no âmbito das suas jornadas parlamentares.

Os problemas em torno da imigração são vários, desde pessoas que "não conseguem renovar as autorizações de residência" à dificuldade para submeter a "documentação para o reagrupamento familiar". Mas aquele que mais o preocupa é a "situação dos pais e mães que têm à sua guarda crianças menores portuguesas e não conseguem um agendamento para terem a situação regularizada". "É uma violação cruel do direito da criança", denuncia.

Jorge não foi o único a deixar o seu testemunho durante um jantar de cachupa que encheu a associação de Foros da Amora, com outras vozes a levantarem-se das mesas para falar do problema dos salários ou da saúde mental dos imigrantes que, como afirmou Joana Pardal Simões, psicóloga da AAGA (Associação de Apoio à Comunidade dos Países com Língua Oficial Portuguesa), é uma "dificuldade", "apesar de, na lei, todos termos acesso à saúde".

Ouvidas as reclamações, António Filipe, deputado do PCP, alinhou nas críticas à AIMA, defendendo que foi apenas "criada no nome" e que "continua a funcionar muito deficientemente e de forma injusta". "Apresentaram a AIMA como uma solução para separar as funções policiais do SEF — que agora são das polícias — das funções administrativas e esse propósito é justo. Agora, tinha de ser feito para uma entidade que funcionasse, não é para o vazio", atirou.

Considerando que "não é aceitável" a demora na regularização dos imigrantes, o comunista propôs que "haja uma grande mobilização dos serviços públicos", para que, à semelhança do que aconteceu com a vacinação durante a pandemia de covid-19, as pessoas sejam "atendidas rapidamente".

E usou precisamente essa demora para rejeitar a tese de que "Portugal é um país de portas escancaradas”. "Não é verdade. Se fosse, os imigrantes não tinham os problemas que estão a ter com a regularização”, disse, contrariando ainda a "conversa de que Portugal tem imigrantes a mais ou a menos". "Temos os que temos e é a esses que temos de dar condições."

Reconhecendo que "existe um discurso racista que tende a instalar-se na sociedade portuguesa", António Filipe defendeu: "Temos de derrubar o racismo e a xenofobia na sociedade portuguesa como derrubámos o colonialismo e o fascismo". E, lembrando que “grande parte da força de trabalho no nosso país hoje é assegurada pela força de trabalho dos imigrantes”, referiu também que é preciso "direitos iguais para todos os trabalhadores”.

Apelo semelhante fez Miguel Fortes, presidente da Associação Cabo-Verdiana do Seixal, que sustentou que a AIMA, enquanto "herança que recebemos para tratar dos imigrantes", deve ter "competência e capacidade" para esse propósito, nomeadamente, no sentido de permitir a "autorização de residência, a renovação do visto ou a nacionalidade".

Com as eleições europeias a aproximarem-se, o dirigente associativo apelou também ao voto dos "imigrantes nacionalizados" no acto eleitoral, defendendo que "precisamos de deputados na Europa, que vai falar a uma só voz" e não a voz do "encontro da extrema-direita na Espanha", onde o Chega participou.

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