Membros da coligação de Robert Fico culpam oposição e jornalistas pelo atentado

Jornalistas temem que a tentativa de assassínio seja usada para justificar uma maior repressão dos media, mas os opositores e a sociedade civil também são alvos.

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A Presidente em funções, Zuzana Caputová (da oposição), e o Presidente eleito, Peter Pellegrini (aliado de Fico), compareceram juntos em público, apelando à calma JAKUB GAVLAK / EPA
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Dois dias depois da tentativa de assassínio contra o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, que nesta sexta-feira foi submetido a uma segunda cirurgia, jornalistas, opositores e analistas temem que o atentado acentue a profunda polarização em que o país já estava mergulhado. “A culpa é vossa”, gritou para a oposição o deputado Ľuboš Blaha, membro do Smer, o partido de Fico, quando a sessão parlamentar foi suspensa depois do ataque.

“Estão satisfeitos?”, perguntou, dirigindo-se também à oposição, Andrej Danko, vice-presidente do Parlamento e membro do Partido Nacionalista Eslovaco (direita radical), que integra a coligação no poder. “Vai haver algumas mudanças nos media”, anunciou em seguida, acrescentando quen para o seu partidon o ataque contra Fico significou o início de “uma guerra política”. Numa conferência de imprensa pouco depois, era o ministro do Interior, Matúš Šutaj-Eštok, a responsabilizar os media pelo clima tóxico que tem marcado o debate político no país: “Muitos de vocês semearam este ódio”.

“O nosso primeiro-ministro referiu várias vezes no passado que tinha medo de que isto acontecesse", chegou a dizer o vice-primeiro-ministro, Tomas Taraba, numa entrevista à BBC, responsabilizando os partidos da oposição e as suas “falsas narrativas” pelo ataque.

Ao mesmo tempo, o próprio Eštok apelou à calma e ao fim do recurso a uma linguagem violenta e aos ataques nas redes sociais, pedindo “ao público, aos jornalistas e a todos os políticos que parem de espalhar o ódio”. “Estamos à beira de uma guerra civil”, alertou.

A responsabilidade pela “retórica de ódio”, na expressão da ainda Presidente eslovaca, Zuzana Caputová, não será exclusiva de Fico e dos seus aliados, mas é verdade que o primeiro-ministro tem sido um dos seus principais promotores. Opositores como Caputová enfrentaram ameaças de morte depois de serem caluniados pelo chefe do Governo.

O ataque contra Fico ocorreu no dia em que o Parlamento começou a discutir uma proposta para abolir a emissora pública RTVS, um plano que os principais partidos da oposição, o centrista e europeísta Eslováquia Progressista, e os liberais do Liberdade e Solidariedade, denunciam como visando dar ao Governo controlo total da rádio e da televisão públicas (com o atentado, foi cancelado um protesto contra a medida). Assim que regressou ao poder, o ano passado, Fico declarou os principais meios de comunicação social "hostis", ameaçando restringir o seu acesso ao executivo.

“Gostaria de pensar que os políticos vão agir com responsabilidade e acalmar as emoções, mas com base nas primeiras declarações públicas de alguns representantes do partido no poder receio que continuem a polarizar a sociedade”, disse ao diário britânico The Guardian Beata Balogová, chefe de redacção do SME, um dos principais jornais independentes da Eslováquia.

Balogová teme que a tentativa de assassínio desencadeie “medidas brutais contra os media, a sociedade civil e os partidos da oposição – o que seria o oposto do que se espera da elite política neste momento”. Para além da violência com que tem atacado os opositores (chegando a acusá-los de crimes e promovendo campanhas de difamação) e os jornalistas, o Governo tem ameaçado rotular as ONG com financiamento externo como “agentes estrangeiros” (como acontece na Rússia).

“Receio que este ataque não seja o último e que os membros da oposição também sejam visados num futuro próximo”, disse à AFP o analista Miroslav Radek. Num texto sobre o aumento da crispação, o jornal El País refere como exemplo do “clima de desconfiança” que “um analista habitualmente disposto a falar com a imprensa recusou desta vez fazê-lo com nome e apelido”. A Eslováquia, disse o analista ao diário espanhol, “pode rebentar”: “Não é nada de novo; este país está a explodir há anos”, afirmou ainda, recordando o papel de Fico no aprofundar da polarização.

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